segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Retorno - Material da Entrevista com o Professor João Furtado, da UNICAMP

Novamente retornando ao NBR depois de longa ausência. Esse retorno ocorre após alguns imprevistos. O principal deles, o fato da dissertação não ter sido aprovada a contento, tendo sido necessário fazer uma segunda versão da dissertação, que precisou abordar o tema da política industrial de forma mais direta. O consenso da minha banca (Professor-Orientador José Antônio Gomes Pinho; o Professor Sandro Cabral; e o Professor Carlos Melo) foi que o texto que eu apresentei era muito "pretensioso" em suas ambições, mas extremamente imperfeito em sua execução. Ou seja, eu falei, falei, falei e, no final, não disse nada! Esse é o tipo de crítica que ouço desde a minha monografia de Urbanismo e em vários trabalhos feitos ao longo dos meus anos de vida acadêmica. Porém, ninguém nunca tinha efetivamente me "parado" e dito: "Olha, ou você para de escrever desse jeito ou você nunca será um acadêmico de verdade." Acho que o grande ganho dessa "não-aprovação" ou "aprovação com ressalvas" foi ter colocado um limite claro de até onde a minha retórica era capaz de me levar sozinha. Daqui para frente, tenho que acrescentar algum rigor científico e alguma fundamentação mais consistente para ir adiante. Nesse momento, estou em "stand-by", pois entreguei um outro texto bem mais enxuto do ponto de vista teórico e com um viés essencialmente prático, observando, através de dados reais e quantitativos, os efeitos da PITCE sobre a intensidade tecnológica das nossas exportações. Bom, na pior das hipóteses (a dissertação não ser aprovada), a nova pesquisa sobre exportações gerou mais material para outros artigos. Na verdade, a pesquisa foi bem interessante e devo, em breve, disponibilizar aqui os dois textos (o megalomaníaco e esse segundo, mais específico). 

Porém, esse post é principalmente para divulgar o novo video que editei com alguns momentos da minha entrevista com o professor João Furtado, da UNICAMP. O professor Furtado foi extremamente simpático e atencioso comigo, me dando uma longa entrevista em seu escritório, no bairro de Higienópolis, em São Paulo. Abaixo seguem o resumo de alguns pontos da entrevista, bem como links para a transcrição completa da entrevista, o audio completo e o video com alguns dos destaques da entrevista. Em breve, estarei editando e disponibilizando aqui o video com o professor Wilson Suzigan, da UNICAMP, assim como já disponibillizei aqui o video do professor Salerno. 

O Entrevistado: O professor João Furtado tem graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (1981), mestrado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (1984) e doutorado em Sciences Économiques - Universite de Paris XIII (Paris-Nord) (1997), com especialização sobre "Estratégias e Políticas Industriais e Tecnológicas" na CEPAL/ONU (Santiago do Chile, 1991). É professor assistente-doutor da UNESP (licenciado), credenciado como professor-orientador do programa de pós-graduação em Política Científica e Tecnológica da UNICAMP, professor assistente-doutor da Escola Politécnica da USP. Produziu e publicou uma centena de artigos, capítulos de livros e relatórios técnicos. Exerce, na FAPESP, a função de coordenador-adjunto para as áreas de inovação e para os programas PIPE e PITE. Conselheiro da FIESP (Conselho Superior de Tecnologia) e conselheiro (Conselho Superior) da Fundação Escola de Sociologia e Política.
A política industrial brasileira pós-2003. O professor Furtado inicia afirmando que a PITCE, em 2004, é um momento de despertar. E esse despertar revela um antigo compromisso dos novos governantes com a ideia de política industrial. Não se sabe muito bem qual é esse compromisso, mas o fato é que ele existe e existia antes deles assumirem o governo. Assim, em um governo que se inicia marcado por uma política econômica que é extremamente conservadora e aprisionada pelo medo, a política industrial surge como uma ponta de esperança. De fato, para o professor, são duas as grandes concessões com as quais essa política econômica conservadora teve que conviver: a política industrial e as políticas sociais. Essas últimas, de tão importantes, são tocadas pelo próprio presidente Lula. Já a política industrial é uma concessão menor feita em relação à política macroeconômica conservadora. Segundo o professor Furtado, a PITCE seria essencialmente um “tempero de ideias diferentes” em meio a uma política econômica que se mantém a mesma do governo anterior. Mas mesmo sendo só um tempero, sem recursos, sem investimentos significativos, ele cria um ambiente. Exemplo disso é a reação que tiveram os técnicos das principais instituições envolvidas com esse tipo de política, que são o BNDES e a FINEP, diante do anúncio de uma nova política industrial. Eles enxergaram ali uma possibilidade de alinhamento até então inexistente. Exemplo claro são os técnicos envolvidos com o setor de fármacos, que sempre tiveram planos ambiciosos, mas que não encontravam ambiente para que esses planos frutificassem. Eles veem nessa política tímida, sem muitos recursos, um novo horizonte para novas propostas de ação governamental. E a ascensão que esses técnicos posteriormente tiveram dentro dessas instituições mostra a nova importância dada à ideia de política industrial e àqueles envolvidos com ela. Nas palavras do professor Furtado, a PITCE foi um “bem sucedido fracasso”, pois não tinha as condições materiais de provocar grandes rupturas, porém ao criar um novo ambiente, possibilitou mudanças até então tidas como fora de pauta.
A Política de Desenvolvimento Produtivo. Não se usa o nome “política industrial” de forma tão explícita quanto na PITCE porque a legitimação não estava ainda consolidada. Por outro lado, ela não é de fato uma política industrial clássica porque não visa novas configurações industriais. Porém, ela facilita o investimento por parte do setor industrial, que era o necessário na época. Outra crítica feita a ela era de que a PDP não tinha prioridades, pois atirava para todos os lados. No entanto, a sua prioridade clara era a volta do investimento e isso tinha que ser fomentado em todos os setores. As críticas quanto aos fluxos de recursos do BNDES para alguns setores e não outros reforça esse desconhecimento de que a meta era ampliar o investimento. Assim, qualquer setor que se apresentasse como um possível grande investidor receberia apoio, não importa qual. Assim, não havia, como havia na PITCE, uma visão de futuro que apontasse quais os setores prioritários para receber investimentos. Porém, essa visão de futuro da PITCE estava desconectada com os interesses e movimentos concretos da economia brasileira e do cenário internacional. Assim, quem seriam os atores que transporiam essa visão de futuro da PITCE para a realidade? Não haviam. Em um texto de 2010, o próprio professor Furtado (tendo como co-autor o professor Suzigan) afirma que a política deve estabelecer metas adequadas ao que se tem disponível. No caso da PDP, a tentativa de minimizar essa distância entre metas ambiciosas e instrumentos limitados foi dizer: “Existe dinheiro. Venham.” E ai, se aparece usina de cana, fábrica de automóveis ou frigoríficos, o importante é viabilizar os investimentos econômicos. 

O Plano Brasil Maior. Na tentativa de reduzir a distância entre as grandes diretrizes da política industrial e as decisões operacionais para a sua execução, o Plano Brasil Maior, na opinião do professor Furtado, comete um grande equívoco ao incorporar ao sistema gestor da política a presença de donos de empresas. Aqueles que deveriam ter sido incluídos seriam os representantes do setor industrial como um todo e não donos de empresas individuais. Assim, os conflitos interempresariais vão paralisar a execução da política industrial. Além da preferência pela representação da categoria e não de membros individuais dessa, o professor Furtado também ressalta a preferência por representantes técnicos, que conheçam a dinâmica e o funcionamento do setor como um todo e não somente a partir desta ou daquela empresa. Em resumo, o problema de legitimação hoje da política industrial é muito menos em relação à sociedade, e muito mais em termos de articulação intra-Estado, tanto no diálogo com os seus órgãos quanto na forma escolhida de relação com a sociedade. Nesse sentido, o modelo que está se formando, com o protagonismo do BNDES de um lado, e a pouca articulação setorial de outro pode fazer com que dois tipos de agentes sejam beneficiados: aqueles agentes que tem grande dependência do BNDES e pouca dependência da articulação com os outros agentes do setor e aqueles agentes que tem pouca dependência do BNDES e muita dependência de articulação com os demais agentes do setor. Para aqueles que dependem muito do BNDES e muito da articulação com os outros agentes do setor, o modelo é prejudicial porque o BNDES não teria essa capacidade de articulação intrasetorial.
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