sexta-feira, 15 de abril de 2011

Notícias de Abril 01 - Financial Times (11/04/2011) aponta a tutoria da China na PI brasileira

Vi várias notícias nesses primeiros dias de abril, mas nenhuma que tenha tanto impacto a ponto de parar para escrever no NBR (sem contar as atividades do projeto - já, já tem texto novo especificamente sobre conceito e histórico da PI). A que teve e que merece algumas palavras aqui, até porque o tema é recorrente no blog, foi a substituição do presidente da Vale, Roger Agnelli por Murilo Ferreira, na esteira das divergências entre ele o governo que já vínhamos comentando (ver Notícias de Março). Porém, deixarei para comentar aqui porque também tem a ver. A notícia que me chamou atenção foi um comentário do Ricardo Setti, colunista da Veja, sobre uma notícia do Financial Times (11/04/2011). Nesta notícia, o FT aponta que a viagem da presidenta Dilma Rousseff serviria, além de estreitar os vínculos econômicos entre Brasil e China, duas potências emergidas (em termos econômicos, não há o que se discutir mais: 7ª e 2ª economias do mundo), para que a presidenta conhecesse mais de perto o modelo de capitalismo de Estado empreendido na China, especialmente (e ai é o que nos interessa mais) quanto ao desenho da política industrial. Abaixo segue os links da matéria do FT e o comentário de Setti: http://www.ft.com/cms/s/0/1f82a382-646a-11e0-a69a-00144feab49a.html#axzz1JbluGjkh http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/dilma-foi-a-china-para-observar-modelo-chines-de-conduzir-o-empresariado-diz-financial-times-o-caso-vale-faz-temer-que-sim/ Rapidamente sobre as repercussões de Setti, o tom é obviamente de reprovação à suspeita levantada pelo FT sobre a tentativa de aproximação entre o modelo estatista chinês e o desenho da PI brasileira. Como mostra dessa reprovação, Setti condena a intervenção do governo na Vale, justamente no episódio da substituição de Agnelli por Ferreira. Cabe pontuar que aqui Setti esquece de mencionar que a própria matéria do FT, jornal que ele mesmo afirma ser "muito bem informado", aponta a indicação do Murilo Ferreira como um ponto positivo da condução de Rousseff, uma vez que ela não influenciou na escolha de um marionete político, como se poderia esperar, mas sim um executivo respeitado. Outro ponto do comentário de Setti que vale a pena levantar como prova de percepção distorcida é a idéia de que não é um bom sinal "o governo fazer e acontecer numa empresa privada". Um pequeno detalhe igualmente esquecido por Setti é mencionar que o governo integra o bloco de controle da Vale, seja diretamente (através do BNDES) seja indiretamente através da PREVI. Ou seja, o que Setti vê como "invasão de privacidade" é mais uma "briga de família". Assim, a não ser que se admita o velho arranjo neoliberal onde o governo participa apenas para injetar dinheiro quando a racionalidade substancial derrapa (as conhecidas falhas de mercado), o governo participa do bloco de controle da Vale justamente para influenciar na condução da sua estratégia e não apenas para servir cafezinho durante as reuniões do conselho administrativo da empresa. Sem fugir muito ao campo ideológico de Setti, Miriam Leitão, da Globo, ao comentar a noticia da troca de comando da Vale, foi mais comedida e afirmou que é legítimo o governo, enquanto sócio, influenciar no comando da empresa. O erro aqui foi mais de forma que de conteúdo. Na visão dela, essa influência deveria ter acontecido no âmbito do conselho administrativo e não via declarações públicas repercutidas em horário nobre. Porém, fica a pergunta: dá para tratar a Vale e seus sócios, principalmente o governo, como a fabriqueta de pipas da esquina? Acredito que não. A Vale é um dos motores de popa da economia brasileira e o governo federal é o principal agente PÚBLICO da economia. Como agente público, de quem se cobra a conduta transparente, fico imaginando a manchete caso o assunto fosse tratado como sugere a Miriam Leitão: "A portas fechadas, governo articula mudanças na Vale e pressiona sócios em reunião do conselho admistativo." Ou seja, não tem muito para onde correr... Com relação à matéria original do FT, alguns elementos também se destacam. O jornal chama atenção para o eclipse neoliberal do Estado nos anos 1980 e 1990, que interrompeu o histórico de intervenção do Estado na industrialização nacional. Nos anos 2000, após a estabilização econômica, o governo retonou a política industrial. Segundo um investidor citado, esse retorno teria sido a maior mudança no Brasil nos últimos cinco anos. O jornal destaca o papel do BNDES nesse processo, participando como acionista das maiores empresas brasileiras. Porém, o ponto mais importante para mim é o final da matéria onde o FT aponta importante diferenças entre a condução chinesa e a condução brasileira da PI. Segundo o FT, o governo brasileiro é mais pragmático e tem uma abordagem da política industrial baseada em regras e não na discricionariedade do governante. Mostra disse é que, em relação à Vale, além do ponto positivo levantada pelas credenciais de Murilo Ferreira, nos termos colocados acima, o jornal destaca que a intenção do governo é elaborar uma nova política nacional de mineração para guiar os passos da Vale e não ter uma interferência no dia-a-dia da empresa, isso sim uma intrusão injustificada. O ponto final de reflexão é que conhecer e aprender com o modelo estatista chinês não é diferente de conhecer e aprender com o modelo coreano ou japonês, porém levanta muito menos poeira por parte dos críticos do governo. Ocorre que "conhecer e aprender" não é sinônimo de "replicar". Ou seja, a menos que se esteja alegando que o governo brasileiro, após "conhecer e aprender" com o modelo chinês de condução da PI vai implantar uma ditadura para replicar o governo chinês; anexar os países sulamericanos para replicar o território chinês; ou promover uma política de procriação em massa para replicar o mercado consumidor chinês, o que se está fazendo é o simples ato racional de não ignorar um país cuja economia cresce a 10% ao ano. Há dez anos!! Sei não, mas alguma coisa eles devem estar fazendo certo... Isso não implica em negar que o modelo de crescimento liderado pelo estado chinês não tenha gravíssimos problemas, envolvendo questões ambientais, violação de regras do comércio exterior, dumping cambial e qualquer sombra mínima de dignidade no trabalho (como se EUA, Alemanha, Inglaterra, Coréia e Japão também não tivessem produzido seus esqueletos e colocado-os no armário da sua PI). Implica sim, em aprender não só com os acertos, mas também com os erros dessa potência mundial. Se aprender com os acertos não implica em replicação, igualmente aprender com os erros não implica em demonização. A menos para quem queira fazer isso às expensas dos fatos.