segunda-feira, 16 de abril de 2012

Mais uma troca de ideias: Sérgio Lazzarini

Novamente tive o imenso prazer de dialogar com mais um mestre/amigo nessa discussão sobre minha dissertação. Desta vez, foi o professor do INSPER/SP, Sérgio Lazzarini, que vem acompanhando esse trabalho desde o início (Sérgio foi um dos três entrevistados, ao lado de Vitor Lopes e Gustavo Pessoti, que fizeram parte da minha pesquisa exploratória no início da dissertação). Sérgio é autor do livro “Capitalismo de Laços”, uma das obras de referência na minha dissertação e um dos maiores especialistas nessa relação entre Estado e Economia. Inclusive disponibilizei a resenha crítica desse livro aqui no blog. Fato é que Sérgio conseguiu, na sua agenda complicadíssima, ler a versão de discussão do Capitulo 1 e fez várias críticas, alertas e sugestões extremamente importantes. Porém, resolvi colocar aqui no blog por uma breve discussão sobre a posição dos liberais em relação ao Estado. Foi novamente um prazer dialogar sobre o meu tema com um parceiro tão significativo. Obrigado Sérgio!

Sérgio Lazzarini:
“Fagner:
Tudo bem? Foi ótimo te encontrar em Salvador semana passada! Na volta, tive o prazer de ler o seu texto. Super legal seu tema; aprecio a sua ambição e desenvoltura para fazer de algo tão relevante e complexo.
Seguem alguns comentários:
1. No começo, você cita Eli da Veiga, Bresser Pereira, Pochman etc. em trabalhos que (pelo está indicado no seu texto) foram publicados em jornais. Senti falta, entretanto, de mais referências a esse tema “neodesenvolvimentismo” em artigos e livros mais acadêmicos; e, também, na literatura internacional. Você diria, por exemplo, que a Alice Amsden tem uma perspectiva “neodesenvolvimentista”? Acho importante fazer esse gancho com a literatura internacional.

2. Também não está claro o seu fechamento empírico. Você quer discutir “neodesenvolvimentismo NO BRASIL” ou “neodesenvolvimentismo EM GERAL” a partir de evidências no Brasil? Perceba a diferença; isso é importante para demarcar a abrangência e impacto do seu estudo.

3. No item 1.1: para enriquecer essa discussão, acho que você deve ler e citar o livro do Aldo Musacchio: Experiments in financial democracy: corporate governance and financial development in Brazil, 1882-1950. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

4. Logo em seguida, você cita o texto do Bresser dizendo que o estado deve ser forte “em termos financeiros”. Mas o que seria isso, especificamente? Tendo, por exemplo, bancos públicos fortes? Participando da composição acionária de empresas?

5. Em seguida você entra na discussão sobre patrimonialismo (seção 1.2). Achei legal a discussão, mas acabou um pouco “truncando” o argumento. Antes de falar sobre os “contras” de intervenção estatal, acho que seria legal você citar os “prós”. Por que precisamos de política industrial? Do jeito que está, parece que você está sendo muito contrário a intervenções do governo, por entender que existem riscos patrimonialistas. (E eu sei, por já ter conversado com você, que não é o caso – você tem uma visão bem balanceada e lúcida sobre a questão.) Minha sugestão é fazer uma discussão anterior dizendo que existem prós e contras, e que você irá agora enfatizar nos contras...

6. Ainda ligado ao comentário acima, há uma certa mistura dos termos “clientelismo” e “patrimonialismo”. Em alguns escritos (como o livro do Edson Nunes, “A gramática política no Brasil” – inclusive no prefácio do Bresser), há uma confusão total dos termos. Mas acho que há uma certa discussão. “Clientlismo” tem sido usado, para descrever trocas que existem entre o sistema político, o governo, e o empresariado (ex: financiamento de campanha em troca de projetos públicos); na minha leitura pessoal, é o que mais se aproxima da ideia de “crony capitalism” discutida na literatura internacional (veja Haber, Stephen. "Introduction: the political economy of crony capitalism." In Crony capitalism and economic growth in Latin America: theory and evidence, editado por Stephen Haber, xi-xxi. Stanford: Hoover Institution Press, 2002). “Patrimonialismo”, pelo menos na abordagem original de Weber, tem a ver mais com uma “rede patriarcal” (para usar a expressão de Faoro) que se estabelece entre governantes e pessoas na própria esfera pública. Acho que vale despender um tempo diferenciando isso. Minha sugestão, também, é que você leia os clássicos internacionais nessa área, especialmente o excepcional livro de Phillipe Schmitter, Interest conflict and political change in Brazil. Stanford: Stanford University Press, 1971.

7. Na seção 1.2, não deveria ser “Aloizio” ao invés de “Paulo” Mercadante?

8. Não entendi por que você precisa colocar a sua “Terceira Tese”. O objetivo do seu trabalho é discutir as origens do patromonialismo ou como isso se encaixa em um contexto de política industrial?

9. Mais para o final do texto, você coloca que “... o conceito de Estado é alvo de uma verdadeira demonização tanto pelos liberais quanto pelos neoliberais...” Isso é incorreto, pois qualquer livro-texto neoclássico (se entendermos que a economia neoclássica alimenta a perspectiva liberal) reconhece a existência de falhas de mercado e propõe remédios fortes. Os impostos Pigouvianos, por exemplo, pressupõe um estado bem forte e presente.

Grande abraço, parabéns e boa sorte na conclusão da sua pesquisa!

Sérgio.”

Fagner Dantas:
“Sérgio,

Rapaz, obrigadíssimo pelos comentários, crítica e sugestões. Nem quero imaginar como é complicado você encontrar um tempinho nessa sua agenda, ainda mais para ler um primeiro capítulo ainda muito verde (nem meu orientador tinha lido ainda). Alguns alertas e correções suas também foram feitas por ele (pontos 7 e 8, por exemplo). Mas algumas questões que você levanta são novas e importantíssimas, como trazer os prós da intervenção estatal (Ponto 5). Como a dissertaçao em si se baseia nesses prós, acho que passei batido aqui, mas vou rever isso.

Com relação ao ponto 9, sem querer polemizar, o que coloco como "demonização do Estado" refere-se a uma ênfase nos aspectos negativos do Estado, seja a sua captura por grupos de interesse (a elite econômica, numa perspectiva Marxista ou grupos próximos ao poder político, na visão da Escola Pública, que lastreia a visão neoliberal também), seja numa visão de Estado como, no máximo, um mal necessário, a la Hobbes. Quando se alegam falhas de mercado para ressaltar a importância da participação do Estado na economia, isso ainda continua na esfera do que estou chamando de "demonização". Por quê? Porque o ideal continua sendo o mercado livre. Se o Estado entra, mesmo numa perspectiva keynesiana, é para consertar o que está errado e sair de novo, deixando o mercado, agora "curado", livre novamente. Em momento algum se assume uma postura como as de Veblen, Rosenstein-Rodan, Hirschmann, Gerschenkron, Polanyi, Evans, Chang ou Amsden sobre a potencialidade positiva do Estado. De qualquer modo, é sempre difícil generalizar (os "liberais" incluem pelo menos Smith, Ricardo, Malthus e Mills, que tem algumas divergências agudas entre eles. Agora, acredito que é possível construir um consenso em torno de uma visão negativa desses autores em relação ao Estado, principalmente pelo seu contexto histórico, pois todos escreveram na transição entre o Estado Absolutista e o Estado Liberal, enaltecendo este último e "demonizando" o primeiro. É neste sentido que congrego liberais e neoliberais (aos quais poderia juntar os marxistas) numa ênfase aos aspectos negativos do Estado, de um lado, e os Institucionalistas Originais (Veben e Cia) e seus seguidores (Polanyi, Evans, Chang e Cia), numa ênfase aos aspectos positivos, de outro. Considerando que todas as generalizações e dicotomias são burras, mas as vezes necessárias, enquanto sintese (já passei das 400 pags!), optei por mantê-las na versão reduzida do texto. De qualquer modo, o seu questionamento me obriga a esclarecer melhor esse aspecto, mesmo no texto reduzido.

Novamente, obrigado por mais essa possibilidade de interlocução, Sérgio.

Forte abraço.

Fagner”

Sérgio Lazzarini:
“Grande prazer, meu caro. O seu tema me interessa muito, super legal essa oportunidade de conversar.

Sobre o seu ponto: “livre mercado” é um construto muitas vezes distorcido. Para o mercado funcionar, é preciso instituições fortes (veja os “novos institucionalistas”, de North a Acemoglu). E a minha leitura é que mesmo os mais liberais não desconsideram o papel do governo. Pergunto se é preciso mesmo demarcar na sua tese essa “oposição de campos”, ou alternativamente tentar esclarecer o ponto de cada lado. Mas, enfim, a tese é sua, realmente parabéns pela escolha do tema e pelo excelente trabalho de resgatar esse importante debate.

Abraço, Sérgio.”