quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Resumo de "Chutando a Escada" (Ha-Joon Chang)

Como primeiro resultado do curso que inicio no próximo dia 04/01/2012 (Institutions and Governance for International Development - Parceria da UFBA/NPGA com a New York University - NYU), segue texto sobre o livro "Chutando a Escada", de Ha-Joon Chang. Já citei Chang várias vezes aqui no blog, sendo um dos meus atores preferidos dentro da minha pesquisa de mestrado, uma vez que trabalha essencialmente a política industrial dentro de um viés institucionalista (aplicando o seu conceito de Economia Política Institucionalista, bem diferente da Nova Economia Institucional, de Coase, Williamson e North). O que não impede algumas discordância pontuadas em vermelho no resumo que preparei do texto, que segue no link abaixo. Mas quem viu a resenha do livro de Lazzarini, que também postei aqui no blog, sabe que admirar o autor não significa acatar tudo que vem dele. O mais interessante mesmo é o debate de ideias.

Abaixo segue o texto elaborado para o curso. O resumo completo do livro está disponível no seguinte link:
http://www.4shared.com/office/j-5CSCU7/ResumoHa-Joon_Chang_Chutando_a.html

RESENHA: CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

O AUTOR
Ha-Joon Chang nasceu em Seoul, Coréia do Sul, em 1963. Formou-se em Economia pela Universidade Nacional de Seoul, na Coréia do Sul. Conseguiu seu mestrado e doutorado em Economia na Universidade de Cambridge (Inglaterra). Desde então, tem ensinado economia em Cambridge. Além das atividades acadêmicas, atuou como consultor para várias agências internacionais (ONU, Banco Mundial) e para vários países, como Canadá, Japão e Venezuela, sempre na área de Políticas de Desenvolvimento. Vem também publicando e editando, individualmente ou em conjunto, vários livros sobre a temática do desenvolvimento, tendo recebido em 2003 o Prêmio Gunnar Myrdal pelo livro “Chutando a Escada”.

A RESENHA
A presente resenha busca discutir quatro questões: O que é Desenvolvimento? Que variáveis promovem o Desenvolvimento? Como essas variáveis podem ser manipuladas para induzirem o desenvolvimento? Qual o papel da política nessa indução? Antes de prosseguir, um esclarecimento quanto aos tópicos originais propostos para esta resenha. Nos tópicos originais havia certa intercambialidade entre os termos “desenvolvimento” e “riqueza” (ver perguntas originais 1 e 2). Acreditamos que essa intercambialidade é, se não errada, pelo menos problemática. Existe toda uma literatura que busca discutir o conceito de desenvolvimento para além de parâmetros econômico como taxa de crescimento do Produto Interno Bruto ou Renda Per Capita. Assim, a grande questão é “O que é Desenvolvimento?”, sendo a riqueza uma das suas condições necessárias, mas não sua condição suficiente.

Respondendo a primeira questão, porém, a sinonímia citada, com a qual discordamos, é acolhida pelo autor em apreço. Em diversas passagens, o autor associa desenvolvimento com avanço industrial, com o alcance da vanguarda tecnológica e, em pelo menos uma oportunidade, ele considera literalmente a renda per capita como o definidor do nível de desenvolvimento. (p. 201, edição brasileira). Considerando que Chang é um dos autores-chave na nossa atual pesquisa de mestrado, esse estudo mais detalhado da sua mais conhecida obra nos surpreendeu com uma visão tão pragmática do desenvolvimento, principalmente partindo de alguém declaradamente admirador do Institucionalismo Original de Veblen, Mitchell e Commons e alinhado com nomes notoriamente revolucionários como Karl Marx e Karl Polanyi. Antes, porém, de expressar qualquer frustração com essa descoberta, não ignoramos o contexto em que o autor trabalha no presente texto. Discutindo a chamada “receita universal para o desenvolvimento” expressa pela ortodoxia econômica através do Consenso de Washington (CW), formulado por John Williamson, não cabia ao autor filosofar sobre uma concepção idealizada de desenvolvimento. Dai utilizar um conceito compreensível por essa ortodoxia (a renda per capita) para questioná-la em seus próprios termos.

A discussão da “receita” exposta no CW nos leva ao nosso segundo tópico: quais as causas do desenvolvimento? Nessa discussão, o autor assume toda a sua herança institucionalista, uma vez que faz coro com a ortodoxia econômica ao reafirmar o papel das instituições na geração do desenvolvimento. Aqui cabe outra surpresa do texto: a surpreendente tese do autor, razoavelmente comprovada, de que as praticas condenadas hoje pelos países desenvolvidos, marcadamente as políticas estatais intervencionistas, foram as mesmas usadas por eles no início do seu processo de desenvolvimento. Considerando tanto a condenação mais ampla do papel do Estado feita por neoliberais como Milton Friedman quanto a crítica mais direcionada de autores da Escola da Escolha Pública (Buchanan, Tulock, Tollison), não deixa de ser surpreendente o papel que esse mesmo Estado teve (e continua a ter, na visão de Rodrik e Stiglitz, além do próprio Chang) no desenvolvimento dos seus países de origem. Outra questão que remete ao debate sobre as causas do desenvolvimento é a que envolve a visão do CW e da CEPAL dessas causas. Enquanto o CW, de viés liberal, apostava todas as fichas nas instituições, a CEPAL, de viés marxista, apostava todas as fichas nas mudanças estruturais da economia. Ao cômputo final, os dois saíram frustrados. Assim, o autor aceita a importância das instituições do CW, mas condiciona o seu sucesso a outros aspectos mais “estruturais”. Daí as divergências do autor com a “receita universal do CW” terem mais a ver com o seu adjetivo (“universal”) do que com o substantivo (“receita”), já que as “instituições de boa governança” variam para cada país. Além disso, o “tempo de cozimento” da receita, que não deve ser tão rápido como querem os partidários da ortodoxia econômica.

Assim, percebe-se que as causas do desenvolvimento podem estar perfeitamente contidas nas “instituições de boa governança”, desde que elas sejam adequadamente manipuladas, o que nos leva ao nosso terceiro tópico. Para o autor, ao lado de instituições voltadas para o desenvolvimento, deve haver políticas voltadas para o desenvolvimento. Chang distingue instituições e políticas pela maleabilidade. Já que as instituições são mais fixas, caberia às políticas potencializar seu impacto positivo sobre o desenvolvimento. De acordo com Chang, os países mais bem sucedidos seriam justamente aqueles que conseguem adaptar melhor suas políticas às mudanças globais, uma vez que seriam as políticas industriais, comerciais e tecnológicas (mais do que as instituições em si) que separam os países desenvolvidos daqueles em desenvolvimento. Como se vê, as “políticas” tem razoável peso no mecanismo de desenvolvimento proposto por Chang. Cabe perguntar, então, se a “Política” também tem.

Aqui fechamos o ciclo que remete a uma eventual deficiência o autor na fundamentação teórica do mecanismo de desenvolvimento proposto. Da mesma forma que aludimos ao seu pragmatismo ao definir “desenvolvimento”, o mesmo pode ser dito quanto à sua abordagem do papel da Política no desenvolvimento. Fazendo pouca referência ao único termo do campo da filosofia política trazido ao texto (“democracia”), o autor optar metodologicamente em enfatizar muito mais o papel das “políticas” do que da “Política” no processo de desenvolvimento, numa linha semelhante a do seu eventual co-autor Peter Evans (“Tríplice Aliança” e “Autonomia e Parceria”). Tal escolha, voltamos a afirmar, é mais metodológica do que ideológica, haja vista o autor debruçar-se com muito mais vigor sobre temas eminentemente políticos, como o papel do Estado, na primeira parte de uma outra obra sua (Globalisation, Economic Development and the Role of the State).

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Pós-Consenso de Washington - artigo de Francis Fukuyama

Finalmente consegui manter uma proximidade entre um post e outro de menos de três meses. Na verdade, o artigo que resumirei abaixo já tinha me chamado atenção antes mesmo do assunto do último post (o reconhecimento da atual administração Obama das ideias de Hamilton acerca da necessidade de apoio às manufataturas, refletida no novo programa de apoio à indústria do governo americano). Trata-se de uma avaliação pós-crise financeira de 2008-2009 (que até hoje reverbera, haja vista o efeito dominó Grécia - Itália - ...) do chamado "Consenso de Washington", expressão criada pelo economista John Williamson na década de 1980 para resumir o receituário dos países desenvolvidos para resolver os problemas econômicos de então: queda da taxa de crescimento da economia, crise inflacionária na América Latina, etc. O receituário basicamente dizia respeito à diminuição do papel do Estado e, consequentemente, dar maior liberdade ao funcionamento do mercado. No artigo publicado pela Foreing Affairs de Março/Abril de 2011, Francis Fukuyama (mundialmente conhecido pelo livro: O Fim da História e o Último Homem) e Nancy Birdsall revêm os principais conceitos por trás do consenso (burocracia estatal corrupta, eficiência X gasto social, política industrial eminetemente interesseira, etc) à luz da crise de 2008, contrapondo o modelo americano de política de desenvovimento orientada pelo mercado com o que vinha sendo feito na Ásia desde os anos 1980 e com o que tem sido feito pelos países emergentes nos anos 2000 (com especial destaque para o Brasil, citado várias vezes pelos autores como exemplo de políticas diferentes daquelas do modelo americano e com bons resultados).
O artigo original está no seguinte link:
Abaixo segue o resumo dos seus principais pontos. Para o debate da nossa dissertação, em torno da política industrial, as considerações dos autores sobre esse tema e sobre os riscos da sua implementação nos países em desenvolvimento (burocracias interesseiras) são sumamente importantes:
1. A Grande Depressão de 1929 mudou não só a economia, mas a política, que deu um giro de 180 graus, indo do laissez faire para o keynesianismo. E abrigou várias críticas anti-liberais por parte dos países em desenvolvimento.
2. Na crise de 2009, pelo contrário, os países em desenvolvimento reafirmaram a sua confiança nos mercado, estabelecendo que não optariam por uma solução “socialista”. Os países desenvolvidos, por sua vez, é que criticaram o mercado e propuseram maior regulamentação sobre ele.
3. As causas para essa reação dos países emergentes são duas: primeiro, a atuação dos Estados Unidos, uma vez que muitos concordariam com a frase de Lula de que a culpa da crise é de quem tem os olhos azuis. Assim, a crítica ao neo-liberalismo se fazia contra os países desenvolvidos, uma vez que os países em desenvolvimento consideravam que não haviam adotado plenamente esse modelo. Em segundo lugar, depois da crise de 1990 da Ásia e da América Latina, os países em desenvolvimento adotaram um modelo de blindagem em relação aos fluxos de capitais estrangeiros e acumularam reservas.
4. Na próxima década, os países emergentes e os países pobres estarão focados muito menos nos fluxos de capitais do livre comércio e mais em resolver suas questões sociais e criar políticas públicas de apoio a suas indústrias.
5. Uma das questões centrais do mundo pré-crise de 2008 era o que o economista indiano Subramanian chamada de “fetiche do capital externo”, onde se tomava como certa a idéia de que os países em desenvolvimento se beneficiariam da entrada de capital intensificada pela liberdade de fluxo financeiro global. É preciso relativizar essa compreensão tendo em mente a diferença entre o crescimento do setor financeiro e o cresscimento da economia real.
6. Com a crise de 2008, os americanos e britânicos aprenderam o que os asiáticos aprenderam na década de 1990: mercado de capital aberto e desregulamentação do setor financeiro é a receita de um desastre eminente. Os países desenvolvidos, após a crise asiática, até reduziram seu ímpeto da liberalização imediata do mercado de capitais e passaram a falar numa liberalização sequenciada, onde, primeiro, deveriam ser criados os controles da movimentação de capital para só depois este ser liberado. Porém, além de desconsiderarem o fato de que os países poderiam não ter habilidade para aplicar tais controles e de que nem os países desenvolvidos sabiam como deveria ser um sistema de controle de capitais ideal, eles não aplicaram essa compreensão em seus próprios países, haja vista o mundo subterrâneo da desregulamentação financeira que se formava nos Estados Unidos. A primeira consequência da crise de 2008 foi o fim do fetiche do capital externo, haja vista o impacto que a crise teve nos países que se especializaram em atrair capital volátil, como Islândia e Irlanda, cujas altas taxas de crescimento se provaram miragens feitas de capital volátil.
7. A segunda consequência da crise de 2008 foi o respeito que passaram a ter os países em desenvolvimento com relação às políticas sociais. Com o neoliberalismo de Reagan e Tatcher, tais políticas foram cortadas em nome da maior eficiência econômica. Com relação à presente crise, a forma como a Europa reagiu acabou sendo muito melhor do que a dos Estados Unidos, graças ao impacto anti-cíclico que tem os seus programas sociais, no sentido de garantir um mínimo para os desempregados e permitindo que eles se recuperem, o que não ocorre nos Estados Unidos, tornando o modelo americano ainda mais criticado no mundo. China, Brasil e México são citados como exemplos de países que se voltaram mais para as políticas sociais recentemente, com bons resultados. A grande pergunta é se esses países emergentes terão condições de suportar tais programas sociais em um contexto de envelhecimento das suas populações, o que não foi possível, por exemplo, na Europa.
8. A terceira consequência da crise foi o nascimento de um novo debate em torno da política industrial. Tendo sido riscadas do mapa como falhas nas décadas de 1980 e 1990, as políticas indústrias voltaram à cena como uma resposta eficiente à crise, mostrando que os tecnocratas do governo podem comandar um envolvimento eficiente do Estado na economia. Novamente, China e Brasil são citados como exemplos nesse sentido, através do uso de bancos públicos para garantir crédito fácil e outras vantagens para as indústrias locais. Essa nova política industrial não trataria, no entanto, de escolher campeões ou provocar grandes mudanças produtivas. Trata-se muito mais de promover a coordenação para a resolução de gargalos e riscos que inibem a ação da iniciativa privada.
9. A partir dessa constatação, é possível falar que o modelo americano de capitalismo de livre comércio será abandonado e que o Estado poderá a ter um papel de protagonista no processo de desenvolvimento? Depende da capacidade do Estado e da sua governança. O problema é que a principal falha das políticas industriais de antigamente era política e não econômica. Assim, as políticas de substituição de importações que ocorreram tanto na Europa Oriental quanto na América Latina nas décadas de 1950 e 1960 trouxeram bons resultados, mas, na América Latina, graças às pressões políticas, o protecionismo que deveria proteger as empresas nascentes acabaram garantindo vantagens a empresas maduras que, como estavam protegidas da competição internacional, tornaram-se incompetentes globalmente. O peso maior para saber se um país é capaz de fazer uma política industrial sem cometer os erros do passado recai sobre sua tecnocracia burocrática. Se esta for forte o suficiente para tomar decisões difíceis e se proteger das pressões políticas, como no caso dos países asiáticos, que tem uma tradição de burocracias tecnocráticas fortes, tudo bem. Caso contrário, o uso das políticas industriais deve ser mais cuidadoso.
10. O que a crise mostrou foi que, mesmo nos países desenvolvidos, suas burocracias, refletidas nos seus sistemas de controles de fluxos financeiros, não foram capazes de deter o ímpeto dos mercados. Por outro lado, o exercício autocrático do poder na China, que aplica suas políticas industriais de cima para baixo, sem passar pelo tumulto da discussão democrática, também não é válido, pois existem autocracias que nem tem o nível de crescimento da China. É preciso observar, então, porque os países em desenvolvimento não conseguem melhorar seus setores públicos para que o Estado assuma esse papel protagônico. Primeiro, porque sua burocracia serve a uma classe política que é interesseira e movida por interesses próprios. Segundo, porque instituições efetivas refletem mais do que decisões legais e políticas, mas sim um contexto social e cultural que dê suporte a essa efetividade na busca do interesse público. Finalmente, a efetividade dessas instituições precisa de um claro senso de identidade nacional e de interesse público. Sem isso, os indivíduos terão muito mais lealdade com o seu grupo étnico ou com sua rede patrimonialista do que com o interesse público.
11. A tendência que a crise de 2008 exacerbou no sentido do fim de uma liderança financeira americana e de um mundo mais multipolar na verdade começou logo após a Segunda Guerra Mundial, com a criação das instituições de Bretton Woods (Banco Mundial, FMI) e as posteriores e sucessivas críticas e pressões sobre essas instituições e a necessidade de renová-las, bem como instituições informais como o G7, que tem que incorporar outras lideranças econômicas globais, como China e Brasil. Uma mostra disso foi a importância que teve a reunião do G20, incluindo essas novas potenciais econômicas. Além disso, instituições tradicionais como o FMI, que estavam perdendo espaço e ficando obsoletas, com o mercado privado de capitais oferecendo empréstimos aos países em condições melhores do que as do FMI, o que o tornava sem muita função, foram prestigiadas com apoio financeiro do G20 para financiar a ajuda aos países mais atingidos pela crise de 2008.
12. Assim, mais do que efeitos econômicos e políticos, a crise de 2008 teve efeitos ideológicos, no momento em que reposiciona o centro de difusão do modelo e das práticas políticas. O modelo americano, até então dominante, tem sido cada vez mais substituído pelas práticas dos países emergentes, como os programas de transferência de renda e de política industrial. Países como Estados Unidos e Japão continuaram a ter peso, porém países como Brasil, Índia e África do Sul passaram cada vez mais a serem relevantes nesse jogo.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Retorno, noticias e novidades

Olá novamente. Após mais um longo período de ausência (altamente justificável pelas demandas profissionais, acadêmicas e pessoais), retomamos as atividades do Neoestratégiasbrasil. Nesse breve post de retorno, falou de uma matéria publicada pelo Brookings Institution e também de algumas novidades que em breve (eu espero) estarão aqui.

Sobre a matéria do B.I., de autoria de Bruce Katz e Jessica Lee (do Metropolitan Police Program), o que me chamou atenção foi o chamamento à atualidade das palavras de Alexander Hamilton. Hamilton foi um dos "Pais Fundadores" da América, sendo citado pelo nosso sempre citado Ha-Joon Chang como um dos promotores da atuação do Estado na ajuda da indústria nascente. E fazendo isso nos EUA, que depois defenderam ardentemente o discurso do livre mercado e de que o Estado não precisaria interferir nos desígnios da economia. O link para a matéria é o seguinte:
http://www.brookings.edu/articles/2011/1205_manufacturing_katz_lee.aspx

Os autores lembram que, no final do século XVIII, apenas 15 anos após a independência americana, Hamilton alertou para a necessidade de um setor manufatureiro forte para dinamizar a economia americana. E falava isso contra a opinião de ninguém menos que Thomas Jefferson, outra figura histórica no nascimento da nação, que defendia que a economia americana se estruturasse a partir da atividade agrícola.

Em defesa da sua posição de que o governo deveria apoiar diretamente a indústria, Hamilton sugeria típicas medidas protecionistas, como tarifas restritivas de importação, e incentivos do governo para que os empresários assumissem riscos que, sem tal suporte, seriam insuportáveis. Porém, o mais importante do artigo é vincular o projeto industrialista de Hamilton com o que está sendo feito agora na América. Trata-se do AMP (Advanced Manufacturing Partnership), um programa de parceria entre governo, universidades e empresas lançado pelo presidente Obama em junho deste ano. (segue link para discurso de lançamento do programa: http://www1.eere.energy.gov/industry/amp/ ).

O lançamento desse programa é a afirmação contundente de que, mesmo nos EUA, defensor maior do livre mercado, não se ignora o fato de que a economia não pode andar sozinha. Ela precisa do apoio direto do governo, ainda quando este cria todo um ambiente institucional que favorece a atuação privada. O presidente Obama dá o exemplo da empresa global Google, cujos criadores só tiveram condições de tirarem a sua ideia do papel com a ajuda da National Science Foundation, uma instituição pública de apoio à ciência. Assim, o AMP, comandado por um comitê formado pelo presidente da Dow Chemical, pela presidente do MIT e por assessores presidenciais para ciência e tecnologia, buscará apoiar as iniciativas que colocarão, prevê o presidente Obama, a América no topo da vanguarda tecnológica mundial.

Sem dúvida, essa iniciativa lançada recentemente revigora todo o discurso em torno da necessidade de uma política industrial definida, e calcada na inovação, pedra de toque da economia global na atualidade. Inclusive, reafirma o resultado do debate feito pelo The Economist (ao qual enviamos contribuição, que foi aqui comentada em post anterior) que deu razão aos argumentos defendidos por Ha-Joon Chang contra aqueles levantados por Jagdish Bhagwati. E reforça, por fim, ainda mais a nossa convicção de que o Estado tem ainda um papel preponderante na economia, a despeito de todo o discurso de livre mercado (que, haja vista as dificuldades de aprovação de maiores regulamentações das movimentações financeiras na zona do Euro, capitaneadas pelo Primeiro-Ministro inglês, ainda se mantém vivo, mesmo após o colapso de 2008 que ainda ecoa no centro do capitalismo mundial), e uma das formas de atuação desse papel é através de uma política industrial. Se a política industrial que precisamos é a que temos, que já vai em sua terceira etapa, com o Plano Brasil Maior, isso é o que a nossa pesquisa quer descobrir.

Por fim, algumas novidades que, em breve, espero que estejam aqui. Em recente viagem à São Paulo, para apresentação, em um encontro internacional realizado na FGV, de um trabalho sobre cooperação interorganizacional para o carnaval, escrito com os professores Sandro Cabral e Dale Krane, aproveitei para entrevistar algumas figuras-chaves dessa minha pesquisa. Assim, gravei entrevistas com o ex-Ministro Bresser Pereira (criador do termo novo-desenvolvimentismo, uma das vertentes que estudo na dissertação), com o professor Mário Salerno, da USP (um dos pais da PITCE) e com os professores Wilson Suzigan e João Furtado, ambos da UNICAMP, dois dos principais pesquisadores da política industrial brasileira. Dessas, as três últimas tiveram alguns momentos gravados em video. Assim, dentro em breve espero estar disponibilizando aqui esse material: o audio integral das quatro entrevistas e pequenos videos com alguns destaques das entrevistas com Salerno, Suzigan e Furtado.

Uma última novidade é que, finalmente, após concluir a revisão de um relatório para a SEDUR sobre competências do Estado para o desenvolvimento urbano, foi retomar a escrita da dissertação, tendo como primeira tarefa a conclusão do primeiro capítulo, que fala sobre as minhas três matrizes discursivas: desenvolvimentismo, patrimonialismo e republicanismo. Sobre as duas primeiras, já tinha elaborado material que inclusive já disponibilizei aqui no NBR. Porém, nas últimas semanas iniciei os meus "Estudos Republicanos" e vou iniciar a escrita da terceira matriz. Quando estiver concluído, colocarei aqui no blog.

Espero (como sempre) estar de volta o mais breve possível.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Cinco Teses sobre o Patrimonialismo

Após mais uma longa ausência e ainda sem tempo para comentar várias notícias relevantes para o tema do blog (desde as mais antigas, como a negociação envolvendo o Grupo Pão de Açucar, o BNDES e o Carrefour - cuja saída do BNDES do negócio desmente algumas das teses da coptação pública pelo interesse privado; passando pelo terceiro estágio da política industrial reinaugurada no governo Lula, o Plano Brasil Maior - comentei esse dois primeiros assuntos diretamente na matéria do The Economist sobre a nova política industrial -ver link http://www.economist.com/node/21525439/comments#comments (meu comentário está identificado como oABEPgf8ED); até a recente queda da taxa básica de juros, que propõe um reposicionamento do Banco Central, favorável à indústria, mas, segundo alguns, ainda precipitado diante da alta inflacionária, que furou o teto da meta do governo no último anúncio). Porém, como encerrei recentemente um artigo sobre o patrimonialismo no Brasil (requisito para a matéria do prof.º Alvino Sanches, Análise de Políticas Públicas) e ele um um tema fundamental para minha dissertação, resolvi colocar aqui um resumo das cinco teses que defendo acerca da resiliência do patrimonialismo no padrão de atuação política do estado Brasileiro. Eis as teses:

1. “O Patrimonialismo é um Padrão de Exercício do Poder Político e não uma configuração do Estado ou da Administração Pública”.
Essa nos parece ser a tese mais importante no sentido de definir o porquê da permanência do patrimonialismo como chave explicativa da atuação do Estado brasileiro. Diante das observações que apontam para a existência de práticas patrimonialistas desde o Brasil colonial até o governo dito de esquerda de Luís Inácio Lula da Silva, não é possível buscar a explicação da resiliência patrimonialista dentro do Estado brasileiro, pois este tantas vezes mudou de configuração que se perdeu a conta. Resta, portanto, buscar outras fontes de explicação. A que nos apresenta mais pertinente é o entendimento de que o patrimonialismo, mais do que se expressar num Estado patrimonial ou numa administração pública patrimonial, expressa-se num padrão político patrimonialista.

2. “A Evolução Política Brasileira se dá por Sobreposição e não por Substituição, facilitando a permanência das práticas patrimonialistas.”
Este é um outro elemento estruturante para se entender a permanência do patrimonialismo no bojo do Estado brasileiro. Entendemos que não há, na história e, portanto, na cultura do povo brasileiro, a prática da ruptura, da substituição de padrões civilizatórios, do expurgo da dominação passada, mesmo que em favor de uma nova dominação, porém sob novo jogo de regras. Essa aversão à rupturas de qualquer ordem, tão afeita à ideia do “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Holanda, é o que estou aqui chamando de tese da evolução política por sobreposição.

3. “A Supressão do Feudalismo em Portugal minimizou a possibilidade de atenuação das características do Patrimonialismo exportado para o Brasil.”
Ao transferir a matriz estatal portuguesa para terras brasileiras, foi trazido também o passivo representado pela falta de atenuação dos padrões patrimonialista de gerenciamento da coisa pública. No campo econômico, é comum objetarmos que o Brasil não passou pelas mesmas fases que os ditos países desenvolvidos e, portanto, não teria como percorrer, nas mesmas condições, aquelas etapas que foram trilhadas por aqueles países. No caso em questão, do enraizamento das práticas patrimonialista no Estado brasileiro, certamente a passagem direta de uma economia escravagista para uma economia capitalista, sem os devidos ajustamentos no que toca ao padrão de exercício do poder político, podem ajudar a explicar a nossa resiliência patrimonialista.

4. “O Presidencialismo de Coalizão funciona como um Reforço ao Patrimonialismo”.
Considerada a prática do presidencialismo de coalizão, em que ela reforça a noção aqui trabalhada de patrimonialismo? O reforço aqui entendido como existente decorre justamente da vinculação, em caráter de “toma lá, dá cá”, que passa a existir entre o governo e os partidos aliados. Nesse sentido, a divisão dos postos do governo podem não ser feitas com base na aptidão técnica do pretendente ou, vice-versa, o apoio prometido fica condicionado ao permanente acesso aos privilégios que podem ser conseguidos pela autoridade de plantão. É o estabelecimento dessa “troca generalizada”, “não-codificada” e com repercussões sobre o patrimônio público que torna a prática do presidencialismo de coalizão um elemento de reforço do patrimonialismo.

5. “A Profissionalizaçao da Política funciona como um Reforço à Mercantilização Patrimonialista do Estado.”
Converter a profissionalização da política numa mercantilização patrimonialista do Estado é mais decorrente do segundo do que do primeiro termo da equação. Não obstante esse reconhecimento, não há de se negar os efeitos deletérios que tem a profissionalização da política em um contexto no qual o político profissional aperfeiçoa-se muito mais na “geração de dificuldades para a venda de facilidades” do que na “geração de facilidades para a superação das dificuldades”. Nesse sentido, mantemos, na condição de reforço, a tese que vincula a profissionalização da política à permanência das práticas patrimonialistas no Estado brasileiro.

Para maiores detalhes sobre essas teses e a questão patrimonialista de modo geral, disponibilizo a primeira versão deste texto (que ainda pretendo ampliar bastante, para agregar à dissertação):
http://www.4shared.com/get/oupq91Yt/Revisitando_o_Patrimonialismo.html

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Debate do The Economist - Necessidade de uma Base de Manufatura para a Economia

O The Economist, um dos mais famosos jornais de economia do mundo (e que eu acompanho sempre), faz constantemente debates onde alguns dos principais pensadores da atualidade lançam uma assertiva, que é rebatida por um outro pensador do mesmo quilate, deixando a possibilidade de seus leitores não só votarem se concordam ou não com a assertiva como também de comentarem os argumentos do proponente e do opositor. E o debate tem vários "rounds", dando a oportunidade dos argumentos serem rebatidos e reavaliados ao longo do mês.

O atual debate tem a sua assertiva proposta por Ha-Joon Chang, uma das minhas principais influências na dissertação. A sua proposta é "Uma boa base de manufatura é o principal daterminante do sucesso de uma economia nacional". Contra essa assertiva, se coloca um nome de peso: Jagdish Bhagwati, autor do livro "Em Defesa da Globalização". Como se pode imaginar, não se poderia encontrar dois nomes mais contrários em suas posições.

Como sempre visito o The Economist, como discuto política industrial e como sigo o Chang onde ele estiver, não poderia deixar de participar desse debate. Abaixo segue o link para o debate, o principais pontos levantados no primeiro round e a minha humilde contribuição:
http://www.economist.com/debate/debates/overview/207

Introdução do mediador: Patrick Lane

1. Tema antigo, que voltou a tona após a crise econômica de 2008;
2. Tragédia anunciada pela ênfase atual nas finanças e não na indústria. São exemplos da ênfase em finanças os EUA e a Inglaterra (seriamente atingidas pela crise) e como exemplos de ênfase em indústria a Alemanha e a China (mais capazes de suportar a crise);
3. Como argumentação contrária, dá-se exemplo do Japão (ênfase em indústria, mas estagnado há 20 anos) e da Índia (que cresce com foco em serviços e não em produção);
4. Numa perspectiva mais ampla do que os anos marcados pela crise de 2008, o crescimento econômico era demarcado justamente pela participação cada vez maior dos serviços e menor da indústria no PIB, e isso vinha mostrando bons resultados. Além disso, hoje as pessoas não compram só os produtos em si, mas tudo que envolve esse produto, inclusive os serviços vinculados a ele. Assim, manufatura e serviços não são substitutos e sim complementos;]

Pro-Manufatura – Ha-Joon Chang
1. O tamanho e a competitividade da base produtiva é o maior determinante da prosperidade de um país;
2. Se Suíça e Singapura são citados como países que cresceram com base nos serviços, Chang mostra que os dois são países com altas taxas de valor agregado de manufatura per capita. Já um país como a Austrália de fato é desenvolvido, porém graças aos seus vastos recursos naturais, o que não é um atributo de todos os países. Para esses, que são a maioria, uma base de manufatura substancial e produtiva é condição necessária para um bom padrão de vida.
3. A possibilidade do desenvolvimento da economia levar a uma economia pós-industrial ou desindustrializada refere-se apenas a diminuição da força de trabalho empregada na manufatura. Mesmo nos países mais desenvolvidos, a produção e o consumo continuam fortemente baseados na manufatura.
4. Se os dados de gastos apontam para um maior gasto com serviços é devido ao aumento dos preços desses em relação à diminuição, pelos avanços de produtividade, dos preços dos manufaturados.
5. Muitos dos serviços que estão em crescimento, aumentando o peso desse setor na economia, na verdade tem como principal consumidor empresas manufatureiras. Portanto, o seu crescimento não reflete uma superação da base manufatureira, mas sim a vitalidade desta base.
6. No caso dos serviços financeiros, o crescimento desse setor foi feito com base em inovações que, mais do que diminuir, escondem os riscos do mercado, o que se pode verificar no desfecho que levou à crise de 2008. Inclusive, a crise tem como conseqüência reduzir a taxa de crescimento do setor financeiro.
7. Se considerarmos que a desindustrialização é resultado de um setor de serviços mais dinâmico (que tire investimentos do setor industrial, mas em prol de uma rentabilidade maior no setor de serviços), isso não necessariamente significará uma coisa boa para o país, uma vez que os serviços que estariam alimentando esse crescimento não são, em sua maioria, exportáveis e assim o país poderia ter problemas na sua balança de pagamentos, em função da falta de divisas para a balancear as importações de uma economia em ascensão;
8. Mesmo alguns serviços exportáveis de alto nível, como os serviços bancários prestados por Inglaterra e Estados Unidos não conseguem representar uma fatia maior do que o déficit de importação de manufaturados desses países.
9. Além disso, uma base manufatureira forte permite a vários serviços ligados ao setor produtivo (engenharia, design, etc) um estímulo também para o seu avanço. Por via inversa, um enfraquecimento da base manufatureira provoca um enfraquecimento dos serviços exportáveis ligados a essa base.
10. Finalmente, não se trata de uma visão onde a manufatura é boa e os serviços são maus, mas sim de reconhecer que a manufatura vem sendo desvalorizada atualmente, apesar ser ter sido a base do desenvolvimento material da humanidade e de, ao que tudo indica, continuar nessa posição por u bom tempo.

Contra-Manufatura – Jagdish Bhagwati
1. Coube a Bill Emmot chamar de “fetiche da manufatura” o entendimento de que se você não fabrica alguma coisa que você pode cair no seu pé, então não vale a pena fabricá-las.
2. Esse entendimento tem um pedigree famoso: Adam Smith condena o trabalho de músicos, artistas, etc em favor do trabalho produtivo (ainda que numa fábrica de alfinetes).
3. Outro defensor da importância crucial da manufatura foi Kaldor, que alertava para os perigos da desindustrialização da Inglaterra nos anos 60.
4. Mais recentemente (1987), John Zysman e Stephen Cohen também defenderam a tese de que “a manufatura importa”.
5. Por fim, o último fôlego do fetiche da manufatura veio após a crise financeira de 2008, onde os serviços fora taxados de “vilões” da história e a manufatura seria a grande rendentora.
6. Duas questões são colocadas contra esse fetiche da manufatura: 1) os serviços podem ser inovadores também (pesquisas como a de Dale Jorgenson, de Harvard, provam que o varejo é o setor que mais progride na economia); 2) a manufatura já é fortemente apoiada, com subsídios, financiamentos e uma luta entre os estados para atrair fábricas. Nada disso é feito para o setor de serviços. Assim, para que ainda mais apoio para um setor já tão apoiado?

Minha contribuição:
"Dear House,

Congratulations for the debate's initiative. It’s a very important question, with experts in both sides. Dr. Chang has a major influence in my actual research about brazilian Industrial Policy during the Lula’s first years. The Bhagwati's book, “In Defense of Globalization” (2004), is a brave speech against the tide of anti-globalism. At the first round, I had to agree with Mr. Chang about the need of a manufacturing base to a sucessful country. Despite the exceptions (Australia, Japan, etc) that only prove the rule, the importance of “make things that you can touch” has been hidden by the digital economy, virtual money or any other funny name that we can give to numerics tricks like derivatives and other gifts from Pandora’s box. Brazil’s economy (that was pointed as “overheated” in recent article at this journal) could be put in the same category of Australia in terms of wealth of resources. But without a manufacturing base, these resources will continue to be used much more to make rich countries even more richer than us. The actual wave of demand from China became the agribusiness and commodities traders much more stronger than never. This strength, if can’t stop the public policies (after 20 years, a new Industrial Policy was launched by president Lula), can redirect its practical effects. So, public investiments continues concentrated on industries like mining (Vale), foods (BRF) and even supermarkets (the new R$ 4 billions' project envolving the fusion between Pão de Açucar and Carrefour), while the strategic sectors pointed by the new industrial policy (software, semiconductors, remedies and machinery) still is only on paper. Switch the main economic engine of any country is a hard task in any circunstances. When we are talking about one of the largest economies in the world and one of the hottest at the moment (perhaps “overheated”, like said the cited article above), the task become even more difficult. Like we uses to say “is necessary to change the tire with the car running”. To keep position on world economy, and most important, to avoid the inertia of a economy on natural resources, Brazil needs to increase and diversify its manufacturing base, following the Chang’s arguments."

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Notícia junho 01 - Regulação do Sistema Financeiro (Brookings Institution, 14/06/2011)

Interessante artigo sobre o "Dodds/Frank Act", ato de regulação do sistema financeiro, assinado no ano passado pelo presidente americano Barack Obama, após as "lições" da crise econômica de 2008. Segue o link para o artigo :
http://www.brookings.edu/testimony/2011/0614_too_big_to_fail_barr.aspx

Abaixo estão os principais pontos do artigo, na minha concepção:
1) O artigo traça um quadro das mudanças impostas pelo Ato Dodds/Frank de regulação do mercado financeiro, assinado por Obama em 2010.
2) Começa com uma condenação explícita da auto-regulação do mercado financeiro.
3) Afirma que a evolução do mercado financeiro gerou novos produtos para os quais a regulação financeira americana não havia sido desenhada, dai a sua ineficiência em prever seus riscos.
4) Durante a crise de 2008, o governo americano teve que injetar bilhões de dólares no seu sistema bancário.
5) Uma vez estabilizada a economia, os passos seguintes seriam restaurar a disciplina no sistema financeiro, a proteção aos consumidores e investidores e a habilidade do mercado de gerar crescimento econômico de longo prazo.
6) Em 2010, Obama assina o Ato Dodds/Frank, o mais rigoroso ato de regulação da economia desde o New Deal dos anos 1930. Esse ato contém diversos mecanismos que buscam não só dar maior transparência ao mercado financeiro como ser adaptável às mudanças que constituem uma das características desse mercado.
7) Uma das principais mudanças diz respeito ao tratamento dos bancos de investimento, que era bem menos rigoroso do que o dos bancos comerciais. Com o ato Dodds/Frank, todas as instituições financeiras – independente da forma legal – serão rigorosamente supervisionadas.
8) Outro ponto importante é o tratamento dado ao mercado de derivativos, considerado altamente responsável pela crise de 2008 justamente por não estar sob o controle da regulação estatal. Com o ato Dodds/Frank, o mercado de derivativos foi tirado das “sombras” e colocado sob pesada vigilância.
9) Outra mudança é o tratamento dado às chamadas “grande demais para quebrar”, ou seja, aquelas empresas cujo peso e a interconectividade é tão grande que a sua falência desequilibraria todo o sistema; daí a certeza delas de que, caso isso acontecesse, o governo faria o que fosse necessário para salvá-las, estimulando assim que elas corressem ainda mais riscos. Depois do Ato Dodds/Frank, o governo ganha mais poderes para lidar com a falência desse tipo de empresa fora do regime padrão de falências. Neste, o interesse é proteger os credores, enquanto no novo regime, o interesse é proteger o sistema econômico. Assim, torna-se possível reter o patrimônio da empresa falida, sem contaminar o sistema como um todo.
10) Reconhece-se que a questão financeira é uma questão global e, portanto, para que todas essas salvaguardas criadas pelo Ato Dodds/Frank possam funcionar, é fundamental a cooperação das autoridades financeiras de outros países, de modo a que as finanças operadas globalmente possam ser reguladas globalmente. Tem papel importante nesse processo o Comitê da Basiléia e o G-20, que já emitiu resolução sobre o assunto.
A discussão do artigo retoma um tema dos mais clássicos no campo da economia política: a linha tênue que separa segurança pública e lucro privado. Entenda-se segurança pública não como caso de polícia (o que às vezes é também), mas como segurança da coletividade, ou seja, de todos aqueles que se servem do sistema econômica (numa economia capitalista, "todos" é todos mesmos), enquanto que lucro privado dispensa explicações. Fato é que sempre que há uma grande crise econômica, como foi em 1929, mas também em 1987 (com o Outubro Negro de Wall Street), alerta-se para a necessidade de regulamentação das operações financeiras, maior transparência, etc. Ou seja, a balança pende para a segurança coletiva. Com o passar do tempo e a falta de novas crises, esses mesmos mecanismos de salvaguarda, tão exigidos anteriormente, passam a ser visto como empecilhos, amarras que estão tirando a competitividade das empresas do país e está fazendo com que este, através de seus investidores, lucre menos do que deveria. Desta vez, a balança pende para o lado do lucro privado. Até a próxima crise e assim sucesivamente.
Sem querer ser pessimista diante do Dodds/Frank Act e dos esforços do Comitê da Basiléia e do G-20, a tendência histórica é que, se não ocorrerem novas crises, já, já os mecanismos criados serão abandonados em nome do Deus-Mercado (o mesmo deus que, anos antes, havia mostrado seus pés de barro).

sábado, 28 de maio de 2011

Notícia de Maio 01 (27/05/2011) - Valor Econômico - Brasil é o N. 1 em Private Equity.

Após longo esforço para fechar a revisão do projeto de pesquisa para apresentação na matéria "Seminários de Pesquisa" (com vários acréscimos em relação ao projeto original, que logo estarão aqui no formato de artigos), voltou a acionar o radar para as notícias que interessam para as nossas discussões sobre neodesenvolvimentismo, política industrial e assuntos afins.
Uma notícia me chamou atenção nessa volta. Publicada no jornal Valor Econômico do dia 27 de maio, o texto do professor de economia Javier Santiso fala sobre um estudo feito pela Empea/Coller Capital, divulgado em abril de 2011, que aponta o Brasil como destino preferencial dos investimentos de capital de risco. Segue link da matéria:
https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/5/27/brasil-destrona-a-china
Os detalhes da matéria podem ser lidos ai. Alguns elementos me chamaram atenção. Primeiro, os investimentos destacados de Venture Capital, ou seja, aqueles investimentos voltados para empresas novas, sem as quais as Microsofts e Apples da vida nunca teriam saído da garagem. O ponto aqui é que esse tipo de investimento não reforça a base tradicional da nossa matriz econômica (focada em commodities e bens de baixo valor agregado), mas vai em sentido contrário, ou seja, em empresas novas, voltadas para novos mercados, principalmente ligadas às novas tecnologias. São citadas como empresas que receberam aportes desses fundos de risco as seguintes: Buscapé e Submarino (essa, uma das poucas a negociar ações na Bovespa). Assim, apesar do foco no capitalismo selvagem e no lucro alto, esses investimentos não deixam de ser um fôlego extra para os brazucas que querem surfar na onda das empresas.com.
Em contraste, a matéria também mostra que os fundos de capital de investimento locais também tem crescido, porém com baixos investimentos em empresas "start-up" (embrionárias) no setor de tecnologia. Ao que consta, os investidores nacionais reforçam a nossa matriz econômica conservadora, preferindo aplicar seu dinheiro em setores mais tradicionais.
Por fim, a nota dissonante do clima otimista do texto, que destaca o fato do Brasil ter superado a China como principal destino desse tipo de investimento, é a comparação feita com Israel em matéria de empresas "start-up" no setor tecnológico. Só um indicador da nossa defasagem nesse campo: o Brasil ainda não tem nenhum empresa cotada na NASDAQ enquanto Israel tem 60! Ou seja, o caminho é longo até nos tornarmos uma potência também em matéria de tecnologia e não só de frango congelado e minério de ferro.
Resumida a matéria, é impressionante que em momento algum haja qualquer menção ao papel da política industrial na condução desse lugar privilegiado do Brasil no cenário do Venture Capital global. Impressiona que, ao falar da atratividade das empresas .com brasileiras para esse tipo de capital internacional, nada seja mencionado sobre o apoio do governo a essas empresas ou sobre a regulamentação sobre o mercado de capitais de modo a otimizar a atração dos mesmos para o Brasil.
Nesse ponto, é interessante comparar esse texto do Santiso com um texto anterior, publicado quando da divulgação do estudo, em abril, que enfoca mais as explicações do porquê o Brasil superou a China na atratividade desse tipo de capital. Segue o link da matéria:
http://www.bzplan.bz/pt/noticias/42-fundos-de-investimento/149-brasil-assume-primeiro-lugar-em-private-equity
Segundo esse texto, o principal motivo do Brasil ter superado a China nesse setor foi o encarecimento dos negócios de "Private Equity", ou seja, a compra de uma empresa promissora para sua venda posterior. Esse encarecimento deveu-se (ai é o ponto que eu quero destacar em termos de atuação do Estado) à regulamentação desse tipo de negócio por parte do governo Chinês, que, após o comprovado sucesso desse tipo de negociação nos anos anteriores, decidiu favorecer os fundos denominados em yuans. Ou seja, favorecer os fundos locais e não mais os fundos estrangeiros, que tiveram que reposicionar os seus dutos de dinheiro para outros mercados emergentes. Nesse redirecionamento, o Brasil assumiu fatias importantes antes destinadas a países do Leste Europeu e da Rússsia. No "acumulado", passou, em volume de investimentos, os antigos "queridinhos" China e Índia.
Outros fatores trazidos pelo artigo como motivações para o belo posicionamento brasileiro são: as perspectivas de crescimento da economia brasileira, a baixa competitividade nos setores médios e baixos da economia (excluindo, portanto, os setores dominados por gigantes globais) e, outro ponto bastante divulgado por nomes como Barack Obama quando compara o Brasil e a China (países citados recentemente em visita do presidente americano à Grão-Bretanha): a estabilidade política, apontado como fator de risco por apenas 3% dos entrevistados, contra 63% no caso da Rússia, 24% da China e 11% da Índia. Nunca os sólidos pilares democráticos reconstruídos a partir de 1985 foram tão valiosos.
Essa duas matérias dão novas mostras da fase ascendente da economia brasileira. É mais dinheiro vindo para o país e, no caso dos Venture Capital, sendo investido em setores ligados às áreas tecnológicas. Porém, tanto nesta quanto na matéria anterior, ficou patente, pelo menos na visão dos autores dos textos, a ausência do Estado brasileiro como tributário desse avanço. Acredito que para me posicionar aqui, eu precisaria investigar exatamente as ações governamentais (se é que elas existiram) para fomentar a atração de Venture Capital e Private Equity para o Brasil. Porém, seria no mínimo intrigante descobrir que um movimento significativo de entrada de capitais como este (mais de US$ 3,5 bilhões em 2010), bem como uma posição privilegiada em relação aos outros países emergentes, especialmente a China, passou desapercebido pelos promotores da política industrial, tecnológica e de comércio exterior, seja para colherem os louros das suas ações, sejam para implementar medidas de ampliação desse fenêmeno.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Notícias de Abril 01 - Financial Times (11/04/2011) aponta a tutoria da China na PI brasileira

Vi várias notícias nesses primeiros dias de abril, mas nenhuma que tenha tanto impacto a ponto de parar para escrever no NBR (sem contar as atividades do projeto - já, já tem texto novo especificamente sobre conceito e histórico da PI). A que teve e que merece algumas palavras aqui, até porque o tema é recorrente no blog, foi a substituição do presidente da Vale, Roger Agnelli por Murilo Ferreira, na esteira das divergências entre ele o governo que já vínhamos comentando (ver Notícias de Março). Porém, deixarei para comentar aqui porque também tem a ver. A notícia que me chamou atenção foi um comentário do Ricardo Setti, colunista da Veja, sobre uma notícia do Financial Times (11/04/2011). Nesta notícia, o FT aponta que a viagem da presidenta Dilma Rousseff serviria, além de estreitar os vínculos econômicos entre Brasil e China, duas potências emergidas (em termos econômicos, não há o que se discutir mais: 7ª e 2ª economias do mundo), para que a presidenta conhecesse mais de perto o modelo de capitalismo de Estado empreendido na China, especialmente (e ai é o que nos interessa mais) quanto ao desenho da política industrial. Abaixo segue os links da matéria do FT e o comentário de Setti: http://www.ft.com/cms/s/0/1f82a382-646a-11e0-a69a-00144feab49a.html#axzz1JbluGjkh http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/dilma-foi-a-china-para-observar-modelo-chines-de-conduzir-o-empresariado-diz-financial-times-o-caso-vale-faz-temer-que-sim/ Rapidamente sobre as repercussões de Setti, o tom é obviamente de reprovação à suspeita levantada pelo FT sobre a tentativa de aproximação entre o modelo estatista chinês e o desenho da PI brasileira. Como mostra dessa reprovação, Setti condena a intervenção do governo na Vale, justamente no episódio da substituição de Agnelli por Ferreira. Cabe pontuar que aqui Setti esquece de mencionar que a própria matéria do FT, jornal que ele mesmo afirma ser "muito bem informado", aponta a indicação do Murilo Ferreira como um ponto positivo da condução de Rousseff, uma vez que ela não influenciou na escolha de um marionete político, como se poderia esperar, mas sim um executivo respeitado. Outro ponto do comentário de Setti que vale a pena levantar como prova de percepção distorcida é a idéia de que não é um bom sinal "o governo fazer e acontecer numa empresa privada". Um pequeno detalhe igualmente esquecido por Setti é mencionar que o governo integra o bloco de controle da Vale, seja diretamente (através do BNDES) seja indiretamente através da PREVI. Ou seja, o que Setti vê como "invasão de privacidade" é mais uma "briga de família". Assim, a não ser que se admita o velho arranjo neoliberal onde o governo participa apenas para injetar dinheiro quando a racionalidade substancial derrapa (as conhecidas falhas de mercado), o governo participa do bloco de controle da Vale justamente para influenciar na condução da sua estratégia e não apenas para servir cafezinho durante as reuniões do conselho administrativo da empresa. Sem fugir muito ao campo ideológico de Setti, Miriam Leitão, da Globo, ao comentar a noticia da troca de comando da Vale, foi mais comedida e afirmou que é legítimo o governo, enquanto sócio, influenciar no comando da empresa. O erro aqui foi mais de forma que de conteúdo. Na visão dela, essa influência deveria ter acontecido no âmbito do conselho administrativo e não via declarações públicas repercutidas em horário nobre. Porém, fica a pergunta: dá para tratar a Vale e seus sócios, principalmente o governo, como a fabriqueta de pipas da esquina? Acredito que não. A Vale é um dos motores de popa da economia brasileira e o governo federal é o principal agente PÚBLICO da economia. Como agente público, de quem se cobra a conduta transparente, fico imaginando a manchete caso o assunto fosse tratado como sugere a Miriam Leitão: "A portas fechadas, governo articula mudanças na Vale e pressiona sócios em reunião do conselho admistativo." Ou seja, não tem muito para onde correr... Com relação à matéria original do FT, alguns elementos também se destacam. O jornal chama atenção para o eclipse neoliberal do Estado nos anos 1980 e 1990, que interrompeu o histórico de intervenção do Estado na industrialização nacional. Nos anos 2000, após a estabilização econômica, o governo retonou a política industrial. Segundo um investidor citado, esse retorno teria sido a maior mudança no Brasil nos últimos cinco anos. O jornal destaca o papel do BNDES nesse processo, participando como acionista das maiores empresas brasileiras. Porém, o ponto mais importante para mim é o final da matéria onde o FT aponta importante diferenças entre a condução chinesa e a condução brasileira da PI. Segundo o FT, o governo brasileiro é mais pragmático e tem uma abordagem da política industrial baseada em regras e não na discricionariedade do governante. Mostra disse é que, em relação à Vale, além do ponto positivo levantada pelas credenciais de Murilo Ferreira, nos termos colocados acima, o jornal destaca que a intenção do governo é elaborar uma nova política nacional de mineração para guiar os passos da Vale e não ter uma interferência no dia-a-dia da empresa, isso sim uma intrusão injustificada. O ponto final de reflexão é que conhecer e aprender com o modelo estatista chinês não é diferente de conhecer e aprender com o modelo coreano ou japonês, porém levanta muito menos poeira por parte dos críticos do governo. Ocorre que "conhecer e aprender" não é sinônimo de "replicar". Ou seja, a menos que se esteja alegando que o governo brasileiro, após "conhecer e aprender" com o modelo chinês de condução da PI vai implantar uma ditadura para replicar o governo chinês; anexar os países sulamericanos para replicar o território chinês; ou promover uma política de procriação em massa para replicar o mercado consumidor chinês, o que se está fazendo é o simples ato racional de não ignorar um país cuja economia cresce a 10% ao ano. Há dez anos!! Sei não, mas alguma coisa eles devem estar fazendo certo... Isso não implica em negar que o modelo de crescimento liderado pelo estado chinês não tenha gravíssimos problemas, envolvendo questões ambientais, violação de regras do comércio exterior, dumping cambial e qualquer sombra mínima de dignidade no trabalho (como se EUA, Alemanha, Inglaterra, Coréia e Japão também não tivessem produzido seus esqueletos e colocado-os no armário da sua PI). Implica sim, em aprender não só com os acertos, mas também com os erros dessa potência mundial. Se aprender com os acertos não implica em replicação, igualmente aprender com os erros não implica em demonização. A menos para quem queira fazer isso às expensas dos fatos.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Notícias de Março 09 - Capitalismo de Laços aplicado II - a missão.

O livro do professor Sérgio Lazzarini, Capitalismo de Laços, inicia-se com a controvérsia envolvendo conflitos entre a gestão da Vale, empresa brasileira e uma das maiores mineradoras do mundo, e o Governo brasileiro, representado no conselho administrativo da empresa pela participação do BNDESPAR (braço acionário do BNDES) e da PREVI (fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil). Na ocasião, falava-se das pressões do governo para que a Vale excedesse o ramo da mineração e entrasse no ramo de produção, o que ampliaria o valor agregado das exportações brasileiras. A posição do então "chefão" da Vale, Roger Agnelli, era de que o nicho competitivo da Vale era no setor de mineração, onde ela estava muito bem, não fazendo sentido comercial entrar em um ramo onde existem competidores internacionais fortes e desvantagens que tornariam a Vale pouco competitiva, fazendo-a perder dinheiro. As movimentações em torno do nome de Sérgio Rosa, então presidente da PREVI, para substituição de Agnelli envolviam inclusive o homem mais rico do Brasil, Eike Batista. Ontem a revista Exame (27/03/2011) publicou matéria afirmando ser uma questão de tempo a saída de Agnelli, que já teria desistido da batalha hercúlea que vinha travando para permanecer à frente da Vale. Segue link: http://exame.abril.com.br/negocios/gestao/noticias/para-governo-saida-de-agnelli-ja-esta-definida O nome de Sérgio Rosa não aparece na corrida sucessória. Porém, a motivação da saída de Agnelli repousa efetivamente sobre a pressão para mudanças no rumo da Vale. Após afirmações do então presidente Lula sobre a necessidade da Vale trabalhar com produtos de maior valor agregado, foi a vez agora do governo Dilma reafirmar a sua divergência quanto ao foco exclusivo da gestão Agnelli na atividade de mineração. A questão principal aqui é o envolvimento direto do governo na definição da estratégia comercial de uma empresa privada. Por um lado, se era para continuar mandando, por que privatizou em primeiro lugar? Por outro lado, o governo não deixa de estar exercendo o seu papel de acionista, afinal ele detém posição acionária na empresa e assento em seu conselho administrativo, ou seja, qual deveria ser sua postura? Macaca de auditório, aplaudindo o Agnelli? Para além da conduta para lá de justa do governo enquanto acionista se posicionar quanto aos planos da empresa na qual detém posição acionária, uma outra questão (ou melhor, um outro nível da mesma questão) se coloca: Sendo acionista de uma empresa privada e, portanto, preocupada com lucro não com superávit da balança comercial, não teria o governo que se conduzir dentro da administração da empresa mais como empresário do que como governo? Para tornar ainda mais clara essa conta, vamos separar a atuação do BNDESPAR, uma instituição legitimamente pública, vinculada a uma instituição 100% pública (BNDES), da atuação da PREVI, uma instituição mista, envolvendo gestores públicos e privados, mas que deveria ter como objetivo principal gerar fundos para garantir a aposentadoria de seus membros e não ser ponta de lança da estratégia governamental de desenvolvimento, baseada na agregação de valor a nossa pauta de exportações. Será que diante da resistência de Agnelli em levar a Vale para o setor de siderurgia, com base em argumentos comerciais (alta competição internacional no setor), a PREVI coordenar um esforço para mudança de rumo, agindo como correia de transmissão do governo e, consequentemente, correndo sério risco de perder dinheiro e prejudicar seus membros, composta não pelo alto gabinete da Presidenta Dilma, mas pelos funcionários do BB, poderia ser uma conduta aceitável? Acreditamos que não. Na resenha em que discuto o livro "Capitalismo de Laços", já disponibilizada aqui no NBR, contraponho algumas observações à tese dos fundos de pensão como meras correias de transmissão do governo. Mostra disso é o afastamento dos diretores de fundos de pensão envolvidos nas negociações que levaram à saída da TIW no mercado de telecomunicações brasileiro. Por outro lado, a manutenção de posições acionárias relevantes em empresas estratégicas que foram privatizadas torna no minimo esperado o condicionamento da sua atuação a fatores outros que não a mera geração a curto prazo de lucro para os acionistas, da mesma forma como outros acionistas podem ter como motivação exclusiva o lucro. A atuação da empresa será fruto dessa interação entre os interesses de seus acionistas. Porém, para o governo deter, mediante BNDESPAR e, indiretamente, PREVI, uma posição acionária significativa numa empresa do porte da Vale, deve ter havido um investimento significativo de recursos públicos para aquisição dessa posição. Sendo assim, conduzir (ou pelo menos tentar conduzir) a estratégia da empresa de acordo com os interesses do governo (assim como qualquer outro acionista faria em relação aos seus próprios interesses) parece o único comportamento capaz de justificar o investimento feito. Para os que se opõem a esta interferência, resta estabelecer como critério de privatização a exclusão completa de qualquer comprador que tenha a mínimo vinculação de propriedade com o governo. Fora isso, o que se tem é o comum em qualquer conselho administrativo de uma grande empresa: uma briga entre os acionistas para ver quem tem a unha maior e garante os seus interesses (sejam eles públicos ou privados).

domingo, 27 de março de 2011

Notícias de Março 08 - Educação - Negócio da China

Infelizmente não pude colocar o link aqui por problemas no site do Jornal A Tarde (Salvador), mas me chamou atenção o artigo do Fábio Colleti Barbosa (presidente do Grupo Santander Brasil e da FEBRABAN) publicado na edição desse domingo (Jornal A Tarde, 27/03/2011). Segue o link de outro blog que publicou o texto, extraído, desta vez, da edição de domingo da Folha de São Paulo: http://carcara-ivab.blogspot.com/2011/03/educacao-o-negocio-da-china.html A discussão levantada por Colleti é bastante significativa no atual debate em torno da Política Industrial. Ele levanta a questão da contraposição Políticas Horizontais X Políticas Verticais, ao afirmar que "(...) o que acontece na China não me parece algo passageiro ou fruto de uma estratégia apenas focada em subsídio ou distorção cambial. A crescente eficiência da China está sendo alicerçada com vultosos investimentos na qualidade da educação em todos os níveis." A questão aqui é: vale mais a pena investir em políticas verticais, que favorecem algumas indústrias especificamente (na linha do que discuto acerca da estratégia de formação de multinacionais brasileiras) ou investir em políticas horizontais que favorecem todos os setores econômicos, como educação, infra-estrutura logística, etc? Quem aposta na necessidade de uma atuação ativa dos Estados na condução de uma Política industrial (Chang, Rodrik, Fleury & Fleury), apesar de não desconhecer os frutos a longo prazo do investimento no capital humano (se não por razões "humanitárias", pelo simples fato de que o futuro da economia está na economia do conhecimento, nos produtos com alto valor agregado, ou seja, precisaremos cada vez mais produzir cérebros, em substituição - ou complementação - ao petróleo, soja, carnes, etc. Porém, produzir cérebros demora e não dá para congelar a economia - e as oportunidades que surgem AGORA - por 30 anos), reconhece igualmente a necessidade de investir agora, seja para surfar na onda da economia aquecida, seja para vencer a corrente contrária da economia em crise. O fato é que essas duas posições não são excludente (ninguém defende investimento totais apenas em um dos lados da equação - seja para não parecer ingênuo, seja para não parecer desumano). Porém, em seu tratando de especialistas em uma "ciência da escassez", os economistas tendem a se posicionar quanto à preponderância de uma sobre a outra. Há os que vêem a política comercial agressiva da China (que incluem a "distorção cambial" citada por Colleti) como uma "bolha estratégica", ou seja, uma estratégia de efeito rápido, mas insustentável no futuro; e há os que vêem a Política Industrial como um reconhecimento do óbvio - o mercado não funciona sozinho, principalmente a favor dos que estão do lado errado da banca de negociação. Essa discussão foi levantada também por Sérgio Lazzarini, em uma das nossas conversas por e-mail. Ele mostrou a importância de olhar o outro lado da cerca (uma vez que eu estava - e, por enquanto, ainda estou - inclinado a defender a necessidade de uma Política Industrial) e ver a importância das políticas horizontais. Segue o link do artigo que ele me indicou para ler (detalhe para o título, nada sutil: "Por que o Brasil não precisa de política industrial.") http://virtualbib.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/706/2191.pdf?sequence=1 Fiz uma leitura inicial desse artigo e - é claro - tenho algumas divergências, como a alegada negatividade absoluta da inflação - acredito que a mesma inflação alta que pode mostrar uma febre fatal da economia, pode, em sendo muito baixa, mostrar a falência de uma economia morta - e a relação direta entre um alto Gasto Público X PIB e ineficiência - que não poderia ser aplicada a países como EUA e Alemanha, cuja relação Gasto Público X PIB é alta, sem que estes países sejam apontados como ineficientes. Porém, o artigo levanta questões importantes, assim como o artigo de Colleti, que mostra, no mínimo, a necessidade de justificar claramente o porquê inclinar a balança do investimento público para as políticas verticais e, no máximo, o acerto em investir no ganho certo da educação e não na aposta incerta - e discutível - de favorecer algumas indústrias - e dentro, delas, algumas empresas - e não outras. Fazendo um reducionismo grosseiro - mas nem por isso menos preciso - seria como optar entre a segurança da caderneta de poupança ou o lucro alto do mercado de capitais. Nos anos 1980, a escolha era fácil: não tínhamos cacife para girar a roleta. Hoje, integrando o G7 da economia mundial, na minha opinião, podemos cobrir apostas e ganhar rodadas (como na OMC, como já comentei aqui). Hoje, ser um poupador ou um jogador? Para o Brasil, os dados estão rolando...

segunda-feira, 21 de março de 2011

Notícias de Março 07 - BNDES com lucro recorde - R$ 9,9 bilhões em 2010.

A atuação do BNDES é um dos assuntos que mais interessam a esta pesquisa. Além da constante menção à atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (criado em em 1952, como BNDE, só recebendo o "S" trinta anos depois, em 1982) na discussão em torno do livro "Capitalismo de Laços", referência obrigatória nessa pesquisa, o BNDES também é crucial por capitanear, sob o comando de Luciano Coutinho, o processo de formação de líderes nacionais com vistas à inserção internacional.
Os últimos dados indicam que a atuação do BNDES, seja no fortalecimento do capitalismo de laços, seja na implementação da estratégia de formação de global players, estará mais forte que nunca. O site oficial do banco anunciou hoje (21/03/2011) um lucro líquido de R$ 9,9 bilhões, um aumento de 47,2% em relação ao ano de 2009. Veja o texto completo no link abaixo:
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Sala_de_Imprensa/Noticias/2011/financas/20110321_Lucro2010.html
Duas partes dessa notícia me chamaram mais atenção. Primeiro, diversamente do que alguns autores cogitam acerca do uso político dos investimento do BNDES, através do seu braço de participações acionárias, o BNDESPAR, essas participações se mostraram extremamente rentáveis em termos econômicos, conforme afirma o texto:

"O crescimento do Resultado com Participações Societárias, no ano passado, decorreu, principalmente, do acréscimo de 179,5% do resultado com alienações, que passou de R$ 1,2 bilhão em 2009 para R$ 3,2 bilhões em 2010. Este aumento foi possível em função de melhora nas condições de mercado no ano passado, quando comparado a 2009, o que possibilitou a realização de operações de giro da carteira de participações societárias. O bom desempenho reflete, também, a qualidade da carteira da BNDESPAR, braço de participações do BNDES."

Além disso, outro alvo preferencial das críticas à politização da atuação do BNDES é o seu sistema de monitoramento em seus contratos de investimento. Para tais críticos, esse monitoramento seria frágil, implicando na injeção de recursos públicos em empresas que não cumprem devidamente as metas de desempenho acertadas. O comunicado do BNDES, certamente em causa própria, mas nem por isso menos válido do que as denúcias feitas contra ele, afirma justamente o contrário, enaltecendo seu sistema de monitoramento nos seguintes termos:

"A qualidade de crédito é resultado da consistência de suas políticas. Os financiamentos concedidos pelo BNDES são objeto de contínuo acompanhamento e demandam garantias que cubram a posição devedora ao longo da vida dos contratos."

Assim, às críticas quanto aos seus critérios políticos de financiamento e ao seu monitoramento "camarada", o BNDES responde alegando a alta lucratividade dos seus investimentos, lastreados em rígido monitoramento quanto às metas de desempenho acordadas.
Apenas à título comparativo, o estudo do VEB, o similar russo do BNDES, considerando os dados de 2008 e 2009, apontou o BNDES como o quarto maior banco de desenvolvimento do mundo em valor de ativos, atrás apenas dos bancos de desenvolvimento da China, da Alemanha e da Coréia do Sul. Veja o texto acerca do estudo conduzido pelo banco russo:
http://www.amanha.com.br/component/content/article/482-bndes-brilha-em-relatorio-de-banco-russo

Considerando o grupo dos 10 maiores bancos de desenvolvimento do mundo, o estudo russo aponta as áreas em que o BNDES é imbatível e aquelas onde ele fica longe da medalha de bronze (ainda que muito melhor colocado que as cerca de 750 instituições semelhantes no mundo):

"Em rentabilidade dos ativos, em 2008, o BNDES ocupou o primeiro lugar, o chinês ficou em segundo e o VEB em sétimo. Em rentabilidade do capital, o primeiro lugar também foi do BNDES, o segundo do Banco Indiano de Desenvolvimento Industrial, enquanto o VEB ficou em sétimo. Em grau de liquidez dos ativos, também o BNDES ficou em primeiro, o chinês em segundo e o russo em sétimo.

O BNDES não aparece entre os três primeiros em valor total de ativos (chinês em primeiro), capital próprio (chinês em primeiro), valor do portfólio de créditos (alemão em primeiro; isto em 2008, talvez agora em 2010, com a recente superexpansão de crédito do BNDE,S o ranking mude) e ativos totais como percentual do PIB (coreano em primeiro)."


Se o BNDES já se destacava com os valores registrados em 2008 e 2009, ainda sob o impacto da Crise de 2008, certamente sua posição no ranking melhorou após o resultado expressivo de 2010.

Justificando a Pesquisa sobre Neodesenvolvimentismo e Política Industrial

Conforme já havia mencionado em outros post anteriores, estou disponibilizando aqui um dos textos já produto dos avanços da pesquisa de dissertação, em função das críticas no anteprojeto de que não havia suficiente indicação da relevância do tema. Segue o link para o texto (formatado como um pequeno ensaio)
http://www.4shared.com/document/DC9bhT3j/A_Atualidade_do_Tema.html
No texto, faço menção à atualidade das discussões sobre a interação entre Estado e Economia (principalmente a partir dos anos 2000 e, mais intensamente, a partir da crise mundial de 2008); sobre uma possível retomada de um modelo desenvolvimentista de Estado, evidentemente erguido sobre novas bases; e, mais intensamente, sobre a retomada da Política Industrial, através da PITCE/PDP, a partir de 2004.
A minha intenção com este texto foi ampliar a minha argumentação inicial quanto à relevância da discussão proposta, baseada tanto em um contexto mais amplo, focado no momento estratégico vivido pelo Brasil, em termos econômicos e políticos, quanto em um contexto mais estrito, focado na discussão corrente em vários setores da academia e do governo acerca do conteúdo da Política Industrial em curso.
A medida que os textos forem sendo produzidos (pelo menos mais dois, ainda consequência das críticas ao projeto: o referência teórico, baseado em uma vertente da Escola Institucionalista, mais especificamente, na Economia Política Institucionalista, proposta por Ha-Joon Chang; e uma revisão da literatura sobre Política Industrial, uma ausência imperdoável em um projeto de pesquisa que se debruçará sobre o tema), disponibilizarei aqui no blog.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Video Debate Capitalismo de Laços

Olá Colegas,
Conforme prometido (e depois de horas de trabalho, devido a incompatibilidades entre usuário e computador), disponibilizamos aqui o video do debate com o professor Sérgio Lazzarini sobre o seu livro "Capitalismo de Laços". Ele foi visto e aprovado previamente pelo professor Lazzarini, que gostou do video e enalteceu novamente a iniciativa do debate em si.
No video (que é, obviamente, uma edição de sete minutos da nossa 01:30h de debate), destacamos quatro pontos da fala inicial do professor Lazzarini (como surgiu a idéia do livro; o conceito metodológico de "mundos pequenos"; o resultado da pesquisa sobre a presença do Estado na economia; e o conceito ontológico de "Capitalismo de Laços"). Na sequência, temos alguns momentos do debate, com destaque para a discussão sobre PPPs.
Com a disponibilização deste video, estamos inaugurando oficialmente o blog neoestrategiasbrasil.blogspot.com, que será um espaço para discutir os pontos levantados no video e todas as outras questões envolvidas nas estratégias de desenvolvimento nacional. Aqui serão disponibilizados textos produzidos ao longo da elaboração da minha dissertação (processo que gerou o blog) e notícias sobre as questões relacionadas principalmente à política industrial brasileira. Sugestões de notícias e quaisquer outras contribuições serão sempre muito bem vindas.
Este é um espaço muito mais para troca de idéias do que para a exposição de um discurso único.
Sejam todos bem vindos!
Fagner Dantas

domingo, 13 de março de 2011

Notícias de Março 06 - CADE ganha prêmio de melhor agência antitruste das Américas em 2010.

Notícias de Março 06 - CADE ganha prêmio de melhor agência antitruste das Américas em 2010. (Jornal Valor Econômico, 14/03/2011)

A famosa expressão "só para inglês ver" ganhou uma nova conotação no mundo econômico hoje (14/03/2011). Se alguém em tom de crítica dissesse que o nosso sistema antitruste não passa de um sistema "só para inglês ver", ele não deixaria de ter razão. Só que em sentido contrário, positivo.
Uma notícia interessante foi dada pela conhecida Elizabeth Farina (textos lidos no mestrado), junto com Fabiana Tito, no Valor Econômico. Segundo a nota, o CADE foi considerado o melhor órgão antitruste das Américas. A escolha foi promovida pela revista Britânica Global Competition Review, que indicou três agências (as outras duas eram dos EUA e do Canadá) e deixou para os seus 2000 assinantes a eleição da campeã. Eles preferiram a agência brasileira, que teve casos de destaque, como o combate ao cartel dos gases, divulgados pela revista, especializada na defesa da competição global. Segue link:
http://www.valoronline.com.br/impresso/opiniao/98/396190/a-premiacao-internacional-e-a-demora-legislativa

A notícia é interessante porque contrabalança as críticas muitas vezes recebidas pelo CADE sobre facilidades envolvendo grandes fusões como Sadia-Perdigão, Itaú-Unibanco e no setor de eletrodomésticos (GPA+Casas Bahia+Ponto Frio; Ricardo Eletro+Insinuante). Pude acompanhar um pouco mais de perto a atuação do nosso sistema antitruste nas aulas do professor Marcus Alban, principalmente na sua comparação com o sistema americano, da Federal Trade Comission. Apesar de ainda ter algumas incongruências, principalmente quanto às divergências de pareceres entre SDE, SEAE e CADE, não acho que dá para jogar a água do banho com a criança dentro, o que parece ser comprovado com o prêmio. Por outro lado, críticas ao CADE não faltam, como é exemplo o livro "Autonomia Frustada", do sociólogo Carlos Alberto Bello. Mesmo sem ter lido ainda (está na minha lista de compras, com certeza), o título e as declarações do autor já deixam clara sua posição diante do desempenho do órgão antitruste máximo no país. No link abaixo, temos uma entrevista do autor, comentando o seu livro e a atuação do CADE:
http://www.boitempo.com/publicacoes_imprensa.php?isbn=85-7559-062-6&veiculo=Portal da Unesp

Será que em quatro anos (o livro do professor Bello é de 2006), foi o CADE que mudou a ponto de receber um prêmio internacional de excelência ou o sociólogo da UNESP exagerou na mão?
A importância dos órgãos de defesa da concorrência é inegável para as temáticas discutidas aqui no NBR, seja em função do que já se colocou aqui sobre os riscos expostos no livro "Capitalismo de Laços", do Sérgio Lazzarini (já citado aqui), seja em função das justificativas necessárias à criação de líderes nacionais, ponto crucial, ainda que porcamente embasado, da Política Industrial nacional. Como justificar os ganhos de escala necessários para a inserção de uma marca global brasileira (objetivo encampado pelo governo, ora com maior, ora com menor explicitação, nos casos da AMBEV - no setor de bebidas -, da BRF - no caso dos alimentos - e da JBS-Friboi - no caso da carne bovina) diante da certeza de que tais gigantes dominarão o mercado nacional? Questões como essa (e como a recentemente comentada aqui mesmo no NBR sobre o setor de energia) pousam direto no colo do CADE. Por hora, é bom saber que se trata de um colo premiado. Tomara que não seja mesmo "só para inglês ver."

Notícias de Março 05 - Segundo The economist, sucesso chinês se deve mais ao setor privado que à intervenção governamental.

Notícia 5 - O sucesso da economia chinesa não está na ação mais presente do Estado, mas no seu setor privado (The Economist, 10/03/2011)
Essa matéria, também do The Economist, me lembrou o malabarismo feito pelo Banco Mundial no relatório de 1993, The Asian Miracle. Neste relatório (que comento no texto que colocarei em breve sobre a justificativa de se discutir política industrial no Brasil hoje), o Banco Mundial tinha que encarar o dinamismo da economia asiática nos anos 1970 e 1980, sem negar o Consenso de Washington. Tarefa difícil diante do desprezo dos países em questão, com Japão à frente, diante das recomendações de liberdade ao mercado e saída do Estado da economia. A solução foi vincular o dinamismo asiático às características idiosincráticas da cultura oriental, de base confucionista. Ou seja, não transmissível a outros países, diferentemente do Consenso de Washington, que daria certo (sic!) em qualquer país. Na reportagem do The Economist, afirma-se que, diferente do que a maioria pensa, o sucesso chinês, com seu crescimento constante de dois dígitos, não se deve tantos aos burocratas do governo e seu apoio às empresas (diga-se de passagem, que tem sua importancia reconhecida no texto), mais sim aos empreendedores chineses. A matéria comprova a afirmação com dados como o de que 70% do PIB da China é de responsabilidade de empresas não majoritariamente estatais, situação oposta a vivida há três décadas, quando praticamente todo PIB era gerado por empresas estatais. Outra informação que apoia a tese é de que apenas 10% das empresas chinesas são estatais. O artigo aponta como principal problema um dos fatores desse dinamismo privado chinês que é a falta de uma base institucional forte, principalmente no que toca aos direitos trabalhistas (que permite a exploração de trabalhadores) e aos direitos de propriedade intelectual (que desistimula a inovação). Trata-se de um libelo contrário ao que o jornal chama de "Consenso de Beijing" que prega que o capitalismo dirigido pelo Estado e o controle político rigoroso formam o elixir do crescimento econômico. O jornal conclui dizendo que o "Capitalismo com Características Chinesas" funciona muito mais por causa do capitatalismo do que por causa das características chinesas. Segue o link da matéria:
http://www.economist.com/node/18332610

Sinceramente, considerando que o clima de questionamento do Consenso de Washington em 2011 é muito maior do que em 1993 (Após a crise de 2008, o que tem de obituário do neoliberalismo não é pouco não!), trata-se de uma argumentação bastante ousada. Afinal, se na década de 1990, totalmente galvanizada em torno do fim do socialismo real com os eventos de 1989/1991), o Banco Mundial teve que lançar mão do confucionismo para justificar o dinamismo asiático (ou seja, dizia exatamente o oposto do The Economist hoje, que o capitalismo funcionava na Ásia por causa de características intrínsecas à Ásia e não ao capitalismo), dizer hoje, depois das sucessivas crises financeiras dos anos 1990 e principalmente da crise de 2008, que a China cresce muito mais em função das forças de mercado do que da direção estatal da sua economia parece uma afirmação bastante audaciosa. Se o crescimento chinês fosse tão "market-led", porque a condução governamental da economia tem sido tão questionada na OMC? Certamente essa condução governamental não seria tão incômoda caso ela fosse tão inócua para o crescimento chinês. Em pelo menos dois casos, a China saiu perdedora em ações na OMC. No caso das tarifas sobre peças automobilísticas (ver link
http://oglobo.globo.com/economia/mat/2008/02/14/china_condenada_pela_omc-425646411.asp), onde ela foi a Reclamada, sua política fo condenada em 2008. Suas esperanças de "dar o troco" foram frustradas em 2010, desde vez, como Reclamante, contra a política americana para tubos, pneus e embalagens fabricadas na China (ver link:
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2010/10/22/internas_economia,219436/index.shtml). Assim, ainda que a produção efetiva que compõe o PIB chinês não seja efetivamente fabricada por empresas estatais, é difícil não considerar que as taxas de crescimento desse PIB não seja obra, em sua maior parte, das políticas industrial e de comércio chinesas, tão questionadas (sem quê nem por quê?) na OMC.

Um excelente contraponto a essa visão é a do sempre instigante Dani Rodrik. Rodrik é um dos principais pensadores mundiais sobre políticas industrial, e um defensor delas. Uma síntese da sua posição pode ser vista num artigo publicado no jornal Valor Econômico (13/04/2010), sobre a volta da Política Industrial à agenda governamental. E não só no Brasil. Segundo a introdução do artigo, os governos da França (sempre considerado interventor) e da Inglaterra (sempre, porém erroneamento, segundo H.J. Chang, considerado liberal) estão usando, e muito, políticas industriais. Até economistas do Banco Mundial (quem diria isso na década de 1980 e de 1990, antes do "turn around" de 1997), como Justin Lin, e a Consultoria McKinsey, estão espalhando os bons augúrios trazidos pelas políticas industriais ao redor do mundo. Veja o link do artigo do jornal Valor Econômico:
http://www.observatoriousp.pro.br/a-volta-da-politica-industrial/
Além das posições de Rodrik, favoráveis à existência de políticas industriais (semelhante à minha posição, pelo menos antes de aprofundar a pesquisa de campo), uma outra qualidade dele é disponibilidade que ele dá aos seus textos e produções intelectuais no blog:
http://rodrik.typepad.com/
E que venha o bom combate de idéias!

Notícia de Março 04 - The Economist aponta legislação trabalhista brasileira como responsável por baixa produtividade.

Notícia 4 - The Economist aponta legislação trabalhista brasileira como uma das causas da baixa produtividade da economia nacional. (The Economist, 10/03/2011)
No site do The Economist, há um claro questionamento quanto ao peso da legislação trabalhista sobre a competividade da industrial nacional. Em uma audio-reportagem disponível no site do jornal inglês, afirma-se que a legislação trabalhista é um emaranhado de artigos espalhados pela Constituição Federal de 1988 e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Além disso, a legislação praticamente estimularia o trabalhador a ser demitido, pois exige que o empregador deposite recursos que só poderão ser resgatados na sua demissão, estimulando a troca constante de empregos e, consequentemente, diminuindo a sua especialização e a sua produtividade, em função dos vários retreinamentos necessários para a sua volta ao mercado. Outro fator levantado pela matéria diz respeito ao Judiciário, que seria extremamente "pro-worker" e, portanto, alimentaria essa tendência demissionária do mercado de trabalho brasileiro. Segue link da audio-reportagem:
http://www.economist.com/node/18332906

Notícias de Março 02 - Estudo aponta problemas para a economia brasileira em 2011

Noticia 2 - Estudo do Professor Reinaldo Gonçalves aponta problemas à vista para a economia brasileira em 2011/2012 (Jornal Nacional, 11/03/2011)
Outra notícia interessante que vi no Jornal Nacional de hoje (11/03/2011) e que corri atrás na internet foi o estudo do economista Reinaldo Gonçalves sobre a evolução da panorama econômico brasileiro com base nos últimos dados do IBGE e do FMI. Conheço um pouco da obra do professor de Economia Internacional da UFRJ, (já li "Ô Abre-Alas", "O Vagão Descarrilhado" e "A Economia Política do Governo Lula", este com o professor Luiz Filgueiras, da UFBA). Ele é indiscutivelmente uma das autoridades sobre a presença brasileira na economia mundial. Pelos títulos de outros livros que ainda pretendo ler dele (p. ex. "Globalização e Desnacionalização") e pelo que li em "A Economia Política do Governo Lula", dá para ver que ele é bastante crítico, tanto com relação ao papel do capital internacional na nossa economia (que foi bastante relativizado no livro do Sérgio Lazzarini, cuja resenha disponibilizei aqui) quanto em relação ao desempenho do Governo Lula. Vou disponibilizar aqui o link para o texto, mas já trago as cinco conclusões sobre as quais ele estrutura o texto: 1) fraco desempenho pelos padrões históricos do país (o crescimento do PIB na Era Lula - 2003 a 2010 - foi de 4% enquanto a média histórica - 1890 a 2010 - foi de 4,5%); 2) fraco desempenho em relação aos outros presidentes (considerando o desempenho da economia, Gonçalves compara Lula aos demais presidentes e ele se sai mal - tem 18 presidentes com desempenho melhor. Gonçalves usa esse mesmo índice presidencial em "Economia Política ..." e desde lá considero-o bastante díficil de engolir pois compara circunstâncias históricas como se fossem suscetíveis de habilidades presidenciais melhores ou piores. É no mínimo discutível); 3) retrocesso em relação à economia mundial (como se pode ver no texto, dos três indicadores usados pelo autor, só há dado comparativo e, portanto, capaz de indicar retrocesso, no caso da relação PIB/Per Capita, onde foi da posição 66 para a posição 71); 4) o país foi fortemente atingido pela crise de 2008 (Igualmente discutível. O autor refere-se a primarização das exportações, o que parece inegável. Porém desconsidera a maior demanda por commodities, principalmente por parte da China e do restante da economia aquecida pré-2008, o que fez o preço das mesmas disparar, não podendo ser considerado, no curto prazo, um problema (que fatalmente será no longo prazo, pois nossas exportações precisam avançar em termos de valor agregado). Além disso, commodities como produtos agrícolas, aço e petróleo são produtos básicos de qualquer economia. Em caso de crise, são os últimos a serem cortados da pauta de importações (novamente, ponto para as commodities); 5) o ajuste brasileiro posterior à crise de 2008 foi feito tendo como parâmetro a eleição de 2010 e não se sustentará a partir de 2011 (Essa é a conclusão mais importante. Comemorei os números recentemente anunciados do crescimento do PIB em 2010, que levaram o Brasil para a sétima posição na economia mundial. O autor coloca três fatores que implodirão esse crescimento da economia brasileira a partir de 2011: desajuste macroeconômico; pressão inflacionária; deterioração das contas externas). Quanto a este último ponto, precisarei refletir mais sobre cada ponto. Segue o link para o texto completo de Reinaldo Gonçalves:
http://www.joserobertoafonso.com.br/attachments/article/1668/reinaldo.pdf

Notícias de Março 03 - Capitalismo de Laços na prática

Notícia 3 - Capitalismo de Laços na prática (Jornal Valor Econômico, 12/03/2011)
Notícia fresquíssima. Hoje (12/03/2011), o jornal Valor Econômico publicou movimentações da CPLF e da Neoenergia no sentido de uma possível fusão. O que é que isso tem a ver com o NBR? O texto da matéria é claro na materialização do Capitalismo de Laços ilustrado por Sérgio Lazzarini no seu livro já comentado aqui. Ali está claramente colocada a importância para a evolução dessa negociação da presença da PREVI simultaneamente no bloco de controle das duas empresas. O autor coloca bem em seu livro (especialmente no capítulo 4 - Jogos de Elites) como a presença de um mesmo ator (no caso a PREVI) nos blocos de comando de duas empresas do mesmo setor (CPLF e Neoenergia, ambas empresas elétricas) pode conduzir a uma orquestração de estratégias, inclusive com possíveis danos à concorrência. Tendo em vista esse aspecto, bem como os aspectos mais gerais no sentido de aumento de concentração no setor e valores envolvidos, essa fusão, caso seja levada adiante, deverá entrar na pauta do CADE, SDE e SEAE. Segue link da matéria:
http://www.valoronline.com.br/online/energia/54/396012/controladores-de-cpfl-e-neoenergia-estudam-combinacao-das-empresas

quinta-feira, 10 de março de 2011

Brasilianas - Luiz Nassif - Política Industrial

Para qualquer pesquisador da nova política industrial, esse programa da série Brasilianas, apresentada pelo economista (e bandolinista) Luiz Nassif, já se tornou clássico. Na verdade, mesmo quando eu já tinha definido que meu tema no mestrado seria o neodesenvolvimentismo, pensava em trabalhá-lo a partir das políticas de desenvolvimento urbano, dado a minha formação (além de bacharel em direito, sou bacharel em urbanismo também, área na qual atuo profissionalmente) e de um trabalho que estou concluindo para subsidiar a elaboração da Política Estadual de Desenvolvimento Urbano ("Competência e Capacidades do Estado para o Desenvolvimento Urbano". Uma apresentação desse trabalho está no link http://www.sedur.ba.gov.br/sgt/Avaliacao_Competencias.pdf ). Porém, foi assistindo casualmente esse programa que visualizei a possibilidade mais prática de estudar o neodesenvolvimentismo a partir da política industrial que foi, de fato, retomada com a PITCE (2003) continuada pela PDP (2008). Assim, queria compartilhá-lo com vocês, pois talvez sem ele eu ainda estivesse refinando o meu tema (Que está se refinando cada vez mais: Começou com a Posição do Estado frente a Economia, passando por Neodesenvolvimentismo; Neodesenvolvimentismo X Patrimonialismo; Política Industrial; PITCE/PDP; até a estratégia específica de Formação de Multinacionais Brasileiras). Segue o video:
http://www.youtube.com/watch?v=tAgavHyP438

Notícias de Março 01 - Política Industrial brasileira é questionada pelos EUA

Neste espaço serão disponibilizadas notícias do mês sobre a temática do NBR. Conforme elas forem saindo, eu as veja ou vocês as indiquem, elas serão colocadas aqui no mesmo post.

Notícia 1 - Política industrial Brasileira é questionada pelos EUA (Jornal O Estado de São Paulo, 22/02/2011)
A primeira notícia que me chamou atenção foi no site http://www.desenvolvimentistas.com.br/ (um site que, por razões óbvias, eu visito bastante). O texto de Jamil Chade, publicado no jornal O Estado de São Paulo, anuncia que diplomacia brasileira confirmou que recebeu um documento oficial do governo americano questionando algumas ações da política industrial do Brasil, entre elas a atuação do BNDES, incentivos à Zona Franca de Manaus, e a própria Política de Desenvolvimento Produtivo - PDP. Ainda segundo o jornalista, a diplomacia brasileira informou que considera o questionamento corriqueiro e que já está providenciando as resposta, que apenas justificam as ações em curso. De qualquer modo, o tema voltará a discussão na próxima reunião da OMC, em maio. Segue o link para o texto completo:
http://www.desenvolvimentistas.com.br/blog/blog/2011/02/22/brasil-rebate-eua-defende-politica-industrial/

Já me referi a esta reportagem em um texto que reforça a justificativa do meu tema no projeto de pesquisa (a justificativa foi um dos pontos avaliados como ainda insatisfatórios), e que pretendo disponibilizar aqui. Mas só cometando que, apesar do Brasil não ter ampliado sua fatia do comércio mundial (que gira em torno de 1%) na fase ascendente da economia mundial (2003 até 2008), a ampliação, em números absolutos, das nossas exportações durante a fase de crescimento da economia mundial já é motivo suficiente para incomodar países que poderiam ter abocanhado parte desse centésimo. Além disso, o terreno da OMC tem se mostrado bastante favorável às disputas envolvendo o Brasil. De 1995 até 2008, fomos vitoriosos em mais de 50% das ações como reclamante e em 90% quando éramos acusados (essas dados integram uma pesquisa citada no texto supramencionado que disponibilizarei aqui). Assim, cabe à comitiva brasileira na próxima reunião da OMC (a primeira da Era Dilma) afiar as garras e defender a nossa política industrial, mesmo diante de tantos questionamentos internos à mesma.

domingo, 6 de março de 2011

Resenha Crítica - Capitalismo de Laços

Segue a resenha crítica do livro "Capitalismo de Laços" do professor Sérgio Lazzarini. Como foi feita para um evento informal, algumas considerações em vermelho fazem referência a professores e colegas do mestrado, que devem ser desconsideradas. Espero que sirva como um pontapé inicial para as nossas discussões. Segue link:http://www.4shared.com/document/rGpDVxi0/RESENHA_LAZZARINI.html

Bem Vindos ao NeoEstratégias Brasil - NBR

Olá a todos. Este espaço foi criado para apresentar e discutir algumas das idéias, teses e sugestões de vários segmentos e pensadores a cerca da construção de estratégias de desenvolvimento para o Brasil. A idéia teve como pontapé inicial o processo de elaboração da minha dissertação de mestrado, entitulada: "Condições e Limites do Neodesenvolvimentismo no Brasil: um olhar a partir da Política Industrial da Era Lula (2003-2010)." Por ocasião de um debate organizado com o autor Sérgio Lazzarini, acerca do seu recém-lançado livro "Capitalismo de Laços", houve um novo estímulo para tirar a idéia do papel, em função das discussões ali postas e do interesse de um público diferenciado sobre as questões do desenvolvimento nacional. Assim, criamos o NBR como um espaço mais amplo para essas discussões. Aqui serão disponibilizados: 1) Nossos avanços no processo de pesquisa; 2)textos utilizados por mim ou sugeridos por colegas que se debruçam sobre o tema; 3) notícias relacionadas com o tema; 4) principalmente, opiniões sobre toda essa temática. O espaço está, desde já, aberto a todos os interessados. Como primeira contribuição, disponibilizarei a resenha crítica acerca do livro "Capitalismo de Laços", que foi enviada a todos os participantes do debate.