segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Retorno - Material da Entrevista com o Professor João Furtado, da UNICAMP

Novamente retornando ao NBR depois de longa ausência. Esse retorno ocorre após alguns imprevistos. O principal deles, o fato da dissertação não ter sido aprovada a contento, tendo sido necessário fazer uma segunda versão da dissertação, que precisou abordar o tema da política industrial de forma mais direta. O consenso da minha banca (Professor-Orientador José Antônio Gomes Pinho; o Professor Sandro Cabral; e o Professor Carlos Melo) foi que o texto que eu apresentei era muito "pretensioso" em suas ambições, mas extremamente imperfeito em sua execução. Ou seja, eu falei, falei, falei e, no final, não disse nada! Esse é o tipo de crítica que ouço desde a minha monografia de Urbanismo e em vários trabalhos feitos ao longo dos meus anos de vida acadêmica. Porém, ninguém nunca tinha efetivamente me "parado" e dito: "Olha, ou você para de escrever desse jeito ou você nunca será um acadêmico de verdade." Acho que o grande ganho dessa "não-aprovação" ou "aprovação com ressalvas" foi ter colocado um limite claro de até onde a minha retórica era capaz de me levar sozinha. Daqui para frente, tenho que acrescentar algum rigor científico e alguma fundamentação mais consistente para ir adiante. Nesse momento, estou em "stand-by", pois entreguei um outro texto bem mais enxuto do ponto de vista teórico e com um viés essencialmente prático, observando, através de dados reais e quantitativos, os efeitos da PITCE sobre a intensidade tecnológica das nossas exportações. Bom, na pior das hipóteses (a dissertação não ser aprovada), a nova pesquisa sobre exportações gerou mais material para outros artigos. Na verdade, a pesquisa foi bem interessante e devo, em breve, disponibilizar aqui os dois textos (o megalomaníaco e esse segundo, mais específico). 

Porém, esse post é principalmente para divulgar o novo video que editei com alguns momentos da minha entrevista com o professor João Furtado, da UNICAMP. O professor Furtado foi extremamente simpático e atencioso comigo, me dando uma longa entrevista em seu escritório, no bairro de Higienópolis, em São Paulo. Abaixo seguem o resumo de alguns pontos da entrevista, bem como links para a transcrição completa da entrevista, o audio completo e o video com alguns dos destaques da entrevista. Em breve, estarei editando e disponibilizando aqui o video com o professor Wilson Suzigan, da UNICAMP, assim como já disponibillizei aqui o video do professor Salerno. 

O Entrevistado: O professor João Furtado tem graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (1981), mestrado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (1984) e doutorado em Sciences Économiques - Universite de Paris XIII (Paris-Nord) (1997), com especialização sobre "Estratégias e Políticas Industriais e Tecnológicas" na CEPAL/ONU (Santiago do Chile, 1991). É professor assistente-doutor da UNESP (licenciado), credenciado como professor-orientador do programa de pós-graduação em Política Científica e Tecnológica da UNICAMP, professor assistente-doutor da Escola Politécnica da USP. Produziu e publicou uma centena de artigos, capítulos de livros e relatórios técnicos. Exerce, na FAPESP, a função de coordenador-adjunto para as áreas de inovação e para os programas PIPE e PITE. Conselheiro da FIESP (Conselho Superior de Tecnologia) e conselheiro (Conselho Superior) da Fundação Escola de Sociologia e Política.
A política industrial brasileira pós-2003. O professor Furtado inicia afirmando que a PITCE, em 2004, é um momento de despertar. E esse despertar revela um antigo compromisso dos novos governantes com a ideia de política industrial. Não se sabe muito bem qual é esse compromisso, mas o fato é que ele existe e existia antes deles assumirem o governo. Assim, em um governo que se inicia marcado por uma política econômica que é extremamente conservadora e aprisionada pelo medo, a política industrial surge como uma ponta de esperança. De fato, para o professor, são duas as grandes concessões com as quais essa política econômica conservadora teve que conviver: a política industrial e as políticas sociais. Essas últimas, de tão importantes, são tocadas pelo próprio presidente Lula. Já a política industrial é uma concessão menor feita em relação à política macroeconômica conservadora. Segundo o professor Furtado, a PITCE seria essencialmente um “tempero de ideias diferentes” em meio a uma política econômica que se mantém a mesma do governo anterior. Mas mesmo sendo só um tempero, sem recursos, sem investimentos significativos, ele cria um ambiente. Exemplo disso é a reação que tiveram os técnicos das principais instituições envolvidas com esse tipo de política, que são o BNDES e a FINEP, diante do anúncio de uma nova política industrial. Eles enxergaram ali uma possibilidade de alinhamento até então inexistente. Exemplo claro são os técnicos envolvidos com o setor de fármacos, que sempre tiveram planos ambiciosos, mas que não encontravam ambiente para que esses planos frutificassem. Eles veem nessa política tímida, sem muitos recursos, um novo horizonte para novas propostas de ação governamental. E a ascensão que esses técnicos posteriormente tiveram dentro dessas instituições mostra a nova importância dada à ideia de política industrial e àqueles envolvidos com ela. Nas palavras do professor Furtado, a PITCE foi um “bem sucedido fracasso”, pois não tinha as condições materiais de provocar grandes rupturas, porém ao criar um novo ambiente, possibilitou mudanças até então tidas como fora de pauta.
A Política de Desenvolvimento Produtivo. Não se usa o nome “política industrial” de forma tão explícita quanto na PITCE porque a legitimação não estava ainda consolidada. Por outro lado, ela não é de fato uma política industrial clássica porque não visa novas configurações industriais. Porém, ela facilita o investimento por parte do setor industrial, que era o necessário na época. Outra crítica feita a ela era de que a PDP não tinha prioridades, pois atirava para todos os lados. No entanto, a sua prioridade clara era a volta do investimento e isso tinha que ser fomentado em todos os setores. As críticas quanto aos fluxos de recursos do BNDES para alguns setores e não outros reforça esse desconhecimento de que a meta era ampliar o investimento. Assim, qualquer setor que se apresentasse como um possível grande investidor receberia apoio, não importa qual. Assim, não havia, como havia na PITCE, uma visão de futuro que apontasse quais os setores prioritários para receber investimentos. Porém, essa visão de futuro da PITCE estava desconectada com os interesses e movimentos concretos da economia brasileira e do cenário internacional. Assim, quem seriam os atores que transporiam essa visão de futuro da PITCE para a realidade? Não haviam. Em um texto de 2010, o próprio professor Furtado (tendo como co-autor o professor Suzigan) afirma que a política deve estabelecer metas adequadas ao que se tem disponível. No caso da PDP, a tentativa de minimizar essa distância entre metas ambiciosas e instrumentos limitados foi dizer: “Existe dinheiro. Venham.” E ai, se aparece usina de cana, fábrica de automóveis ou frigoríficos, o importante é viabilizar os investimentos econômicos. 

O Plano Brasil Maior. Na tentativa de reduzir a distância entre as grandes diretrizes da política industrial e as decisões operacionais para a sua execução, o Plano Brasil Maior, na opinião do professor Furtado, comete um grande equívoco ao incorporar ao sistema gestor da política a presença de donos de empresas. Aqueles que deveriam ter sido incluídos seriam os representantes do setor industrial como um todo e não donos de empresas individuais. Assim, os conflitos interempresariais vão paralisar a execução da política industrial. Além da preferência pela representação da categoria e não de membros individuais dessa, o professor Furtado também ressalta a preferência por representantes técnicos, que conheçam a dinâmica e o funcionamento do setor como um todo e não somente a partir desta ou daquela empresa. Em resumo, o problema de legitimação hoje da política industrial é muito menos em relação à sociedade, e muito mais em termos de articulação intra-Estado, tanto no diálogo com os seus órgãos quanto na forma escolhida de relação com a sociedade. Nesse sentido, o modelo que está se formando, com o protagonismo do BNDES de um lado, e a pouca articulação setorial de outro pode fazer com que dois tipos de agentes sejam beneficiados: aqueles agentes que tem grande dependência do BNDES e pouca dependência da articulação com os outros agentes do setor e aqueles agentes que tem pouca dependência do BNDES e muita dependência de articulação com os demais agentes do setor. Para aqueles que dependem muito do BNDES e muito da articulação com os outros agentes do setor, o modelo é prejudicial porque o BNDES não teria essa capacidade de articulação intrasetorial.
Links:
Audio:

Transcrição:
Video:





            

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Naufrágio da Europa: novo Titanic ou botes à vista?

Lendo o artigo de João Pereira Coutinho sobre o resultado das últimas eleições européias (http://rodrigoconstantino.blogspot.com.br/2012/05/o-naufragio-da-europa.html), enviado pelo parceiro de reflexões Ruy Leal, visualizo como meu tema de pesquisa (neodesenvolvimentismo) é atual. O que é a eleição de Hollande senão: 1) o diagnóstico de que a crise de 2008 ainda continua forte na França; 2) o remédio de austeridade francesa, receitado pela Alemanha, foi de um amargor insuportável para os franceses; 3) a promessa de Hollande é um novo tipo de remédio que, ao invés de matar a doença de fome, busca fortalecer as defesas do corpo. Esse novo tipo de remédio se materializa numa negação do discurso (e práticas) neoliberais de remeter as construções coletivas da sociedade (e formativas do próprio processo produtivo) apenas à livre movimentação das forças de mercado. Em oposição a isso, receita-se um reposicionamento do Estado diante da economia. Afinal, se é para injetar um bilhão de dólares na GM para salvá-la da incompetência dos seus diretores nababescamente remunerados, porque não usar da autoridade legitimada democraticamente (em substituição a autoridade imposta pelo grande capital, tão autoritária quanto, mas sem nenhuma legitimidade) para fazer mais do que apenas tapar o poço sem fundo das sandices especulativas criadas pela inesgotável criatividade dos financistas (Derivativos, NINJA Loans, Subprime Mortgagees)? A discussão em torno da possibilidade de elaboração de um projeto de desenvolvimento nacional está menos nas dificuldades de, uma vez elaborado, levá-lo adiante pelas mãos das precárias lideranças políticas existentes, do que na aceitação da própria ideia da possibilidade da elaboração consciente e intencional de algo tão amplo quanto tal projeto e que precisa, contraditoriamente à sua unidade interna, refletir a diversidade do seu ambiente social. Para pensadores da linha do representante maior da Escola Austríaca, Friedrich von Hayek, é justamente essa barreira cognitiva que torna qualquer proposta de projeto coletivo um passo para governos totalitários (seu famoso “Caminho para Servidão”). Já pensadores contemporâneos como K. Sabeel Rahman, da Universidade de Harvard, entendem que a democracia pode muito bem superar esse obstáculo, uma vez que essa diversidade não pode ser igualmente totalitária, pois a vida em sociedade não comporta os extremos da liberdade negativa ou dos modernos (na clássica distinção de Benjamin Constant, notabilizada por Isaiah Berlin, com a liberdade positiva ou dos antigos). Quem vive em sociedade e tem sua vida garantida por uma série de construções coletivas como segurança, serviços públicos, urbanidade, valores compartilhados não pode se fechar em um hedonismo autista, considerando que os impostos que paga ao governo são o suficiente para comprar seu ticket de isolamento em seu universo particular (algo como “pago impostos para os políticos me governarem”, a lá Schumpeter). Obviamente defendo a tese de Rahman e a liberdade dos antigos, mais que a dos modernos, pois a liberdade como um fazer proativo e socialmente legitimado é o que está na base do neodesenvolvimentismo. Quando Hollande recusa a austeridade pela austeridade de Ângela Merkel em nome de uma ação responsável mas proativa, ele se junta a outros líderes mundiais que defendem o que o The Economist chamou este ano de “Capitalismo de Estado” (China, Brasil, Índia, Coréia do Sul, Japão e até, a partir da leitura de Rahman sobre o governo de Obama, com sua nova política de saúde e sua política industrial, os Estados Unidos). Para a extrema-direita, conservadora e porta-voz do grande capital, o “Capitalismo de Estado” é o totalitarismo previsto por Hayek Não é a toa que os republicanos adoram chamar Obama de socialista. Para a extrema-esquerda, revolucionária e porta-voz do proletariado, o “Capitalismo de Estado” é só mais um disfarce para o eterno “Comitê da Burguesia”. Sem me sentir a vontade em nenhum dos segmentos acima, “Capitalismo de Estado” para mim é a recusa do discurso neoliberal de que “o mercado resolve” e a aceitação do papel de autoridade democraticamente legitimada na condução (termo amplo que admite tanto a ação direta via empresas públicas quanto a ação indireta via mediação de pactos entre trabalhadores e empresários) de um projeto de desenvolvimento nacional. Negar tal papel ao Estado não é garantir que todos sejam tratados igualmente, sem os privilégios concedidos pelo Estado, mas sim fazer com que a competitividade intrínseca ao capitalismo selvagem vá atrás da concessão desses privilégios e desse tratamento diferenciado por todos os meios possíveis, da corrupção direta no Brasil até o lobby legalizado nos EUA. Lendo Joseph Schumpeter é possível afirmar, como faz Ha-Joon Chang, que a suposta assimetria de informações, vista pelos economistas neoclássicos como uma típica falha de mercado a ser corrigida, é, na verdade, o motor de propulsão dos ganhos diferenciados da empresas, que investem em pesquisa justamente para terem informações que seus concorrentes não têm. A competição entre as forças de mercado e a competição entre as forças políticas sempre existirá, assim como a imposição da vontade dos vencedores momentâneos dessas disputas sempre existirá. Como eu disse, a diferença entre a imposição da vontade do mercado ou do grande capital, individualizado nas empresas globais, e a vontade geral (para usar o termo de Rousseau), individualizada nos governos democraticamente eleitos, é apenas a legitimidade da segunda em relação à primeira. A vinculação direta entre capitalismo e democracia que pretende, por exemplo, Denis Rosenfeld, com base nos pensadores liberais e neoliberais, é uma peça de retórica sem maior substância. O capitalismo pode ser tão opressivo e totalitário quanto qualquer outro modo de produção (Rússia e China, que aderiram, total e parcialmente, ao capitalismo provam isso). Até porque, diversamente do que dizia Marx, o modo de produção não determina a superestrutura normativo-cognitiva, ainda que a influencie bastante. Porém, esta decorre de uma série de outras condicionantes que não estão inclusas na sacrossanta econometria dos neoclássicos como John Bates Clark e Vilfredo Pareto (a idealizada “Economia Pura”, a qual o economista português José Reis opõe a “Economia Impura”, de cunho institucionalista e muito mais realista). A depender desse conjunto de circunstâncias (e não apenas das econômicas), um arranjo sócio-político que congregue forças econômicas, políticas e sociais será, de forma mais ou menos duradoura, formatado. É a interação dessas forças e, principalmente, da força da sociedade civil, que determinará o grau de opressão que as outras duas forças poderão imprimir ao conjunto da população, sempre maioria numérica, mas ordinariamente também minoria decisória. Voltando à França, Hollande quer um governo focado em crescimento e não em austeridade. Em tempos de retranca na seleção brasileira de Mano Menezes, Hollande prefere jogar no ataque, a lá Barcelona, de Pepe Gardiola. Isso me lembra minha entrevista em São Paulo com o economista da UNICAMP, João Furtado. Nesta conversa, ele me dizia, entre uma xícara de café e outra, que a grande diferença entre o governo Lula e um eventual governo Serra foi a forma de tratar a crise de 2008. Segundo Furtado, um governo do PSDB teria seguido a cartilha-padrão de enfrentamento de crises financeiras, como a que ocorreu em 1999, ou seja, fechar a torneira, se apoiar nas reservas cambiais (infladas ocasionalmente pelo FMI) e esperar, encolhido, a tormenta passar. Em um contexto de crise financeira, como o de 2008, Lula, talvez até numa “sacada” pessoal, de sensibilidade à sua própria sobrevivência política e à manutenção dos louros conseguidos ao longo de 5 anos de lua de mel com a economia, pensou o imponderável e nadou contra a corrente, indo para o ataque com tudo que tinha em termos de sopa de letrinhas: PAC (investimentos públicos), PDP (Política Industrial), BNDES (financiamento). Com essa receita fora da cartilha da austeridade a todo custo, depois de anos colocando a estabilidade financeira como prioridade zero do governo (prioridade mantida no governo FHC e aprofundada, para desespero dos militantes de esquerda, no governo Lula), o Brasil conseguiu uma reação a crise que foi enaltecida nos quatro cantos do mundo (e claro que com o mesmo número de críticas que acusavam essa reação de ser apenas midiática, uma vez que o Brasil estaria sofrendo tanto quanto os EUA, dos homeless corporativos, ou qualquer um dos PIIGS, o que é, no mínimo, questionável). De qualquer modo, essa nova cartilha (ou devamos dizer “requentada”, pois redita coisas como o New Deal americano ou o Desenvolvimentismo asiático e latino-americano que vigorou entre os anos 1930-1970) vem encontrando novos adeptos do “defender atacando”. Hollande, pelo menos no discurso, é um deles. Se assim for, não parece ser possível reeditar a dobradinha Merkel-Sarkozi (ou “Merkozi”, como chamou a imprensa). Por outro lado, se as duas lideranças máximas da zona do Euro não perceberem o tiro no pé que é uma virar as costas para a outra, os esforços hercúleos de Konrad Adenauer e Charles De Gaulle para criar a União Européia, conforme me foram relembrados em ótimas conversas com o mestre Wolfgang Reiber no último final de semana, irão por água abaixo. Outro ponto iluminado no artigo de Coutinho, e que repercute uma outra receita de negação da austeridade pela austeridade da Alemanha, foi o avanço dos extremistas políticos, inclusive na França do socialista Hollande, com o terceiro lugar de Marine Le Pen. Na Grécia, a situação é ainda mais complexa (não só na economia, mas também na política – quem influencia quem, já que são as desavenças políticas que estão inviabilizando um governo de coalizão, sem o qual a crise econômica só tende a se agravar?), pois tanto a extrema-esquerda (com o segundo lugar do Partido Syriza) quanto a extrema-direita (com o quarto lugar do Partido Aurora Dourada, de clara orientação neonazista) saíram fortalecidos na última eleição. Esse avanço do extremismo, juntamente com outros fatores, fazem Coutinho farejar um retorno aos anos 1930, com a sucessão de crise econômica aguda; que abre espaço para discursos extremistas sem qualquer compromisso com a governabilidade, pois nunca foram vidraça, só pedra; que abre espaço para uma escalada de conflitos. Para mim, trata-se de um diagnóstico possível, porém ainda prematuro. Existe uma clara comparação entre a gravidade da Crise de 2008 e a gravidade da Crise de 1929. Isso se deve ao fato de que a Crise de 2008 é a mais parecida com a de 1929 dos últimos 35 anos, pois se equipara a esta tanto em centralidade quanto em impacto, diferentemente do Crack de Wall Street, em 1987, que ocorreu no coração do capitalismo, mas teve menor impacto na economia; e das crises econômicas dos anos 1990, que tiveram grande impacto na economia, mas ocorreram fora desse coração, visualizado na Tríade de Kenichi Ohmae (EUA-Alemanha-Japão), começando no México e se espalhando por Ásia, Rússia e Brasil para acabar no desastre argentino de 2001. Assim, dois fatores fazem com que o diagnóstico de Coutinho tenha que ser considerado: 1) as semelhanças de centralidade e impacto entre as duas crises; 2) o fato de que a Crise de 2008 ainda não foi totalmente superada (estamos em 2012!!), não dando para dizer se já chegamos no fundo do poço. Pior é se no fim do poço, ao invés de uma mola (como pregam os otimistas), nos depararmos com um fundo falso. O fato é que não dá para saber o que está depois da curva. O que Coutinho vê é a ascensão dos extremismos políticos e suas conseqüências nefastas. O quadro, para mim, é um pouco mais matizado, pois quando Coutinho apura o olhar para perceber os perigos (inegavelmente reais) do extremismo, ele perde de vista o quadro mais amplo e que emite sinais contrários. Por exemplo, a própria França, do extremismo de Le Pen, preferiu testar uma mudança menos drástica, porém significativa, elegendo um presidente socialista, o primeiro em 30 anos, desde Mitterrand (passando pela derrota de Lionel Jospin, em 2002). Na Grécia, a extrema-ESQUERDA superou a extrema-DIREITA (se é que essas diferenças são ainda tão cruciais – no caso de um partido neonazista, como o Aurora Dourada, ela é obviamente importante). Na Inglaterra, os trabalhistas liderados por Ed Miliband se fortaleceram nas últimas eleições, pressionado o neo-Tory David Cameron. Por fim, temos a emblemática vitória de Obama, que agora em 2012, tem amplas chances de reeleição contra o “homofóbico” Mitt Romney, a depender da recuperação econômica que, ainda tímida, já começa a aparecer. Se, por um lado, o extremismo político, apesar de claramente pertencer à fauna política, ainda é um animal exótico em democracias importantes, por outro podemos lançar também um olhar para os reflexos militares desses extremismos periféricos e as possibilidades de uma escalada de conflitos armados. Saindo dessas democracias consolidadas, onde essa possibilidade parece mais remota, podemos observar os países-baleias (BRIC) para saber se seu ímpeto de “botar a porta abaixo” para entrar a todo custo no primeiro mundo representa o perigo de uma sanha totalitarista. Dos BRICs, a Rússia e a China são as mais sérias candidatas ao posto de Superpotência Totalitária. Apesar de Putin (ex-KGB) representar uma direita militar, a Rússia tem eleições formais (questionáveis pelo povo, mas não abolidas pelo governo) e não há ocupação militar russa em outros países (coisa que os EUA, a quem ninguém acusa de ser totalitário, faz há anos no Afeganistão e no Iraque, liderando uma “força internacional”, ironizada por Michael Moore em “Farenheit 9/11”). Já a China, poderíamos dizer uma esquerda igualmente militar, se não é uma democracia igualitária, também não é o Reich totalitário (há trabalho desumano – que existem mesmo nos rincões do Brasil, mas não campos de concentração para indesejáveis; há influência política regional – como EUA e URSS fizeram ao longo da Guerra Fria – mas não há ocupação militar; há fechamento para o mundo – que o diga o Google -, mas não a lá Coréia do Norte, como mostra o fato da China ser hoje uma das maiores exportadoras de estudantes do mundo. Como comentou o professor do INSPER, Sérgio Lazzarini, em bate-papo após uma de suas visitas à Salvador, as universidades americanas estão cheias de estudantes chineses, como ele pode constatar na sua temporada em Harvard. Apesar de temer mais um século sinocêntrico do que um século nipônico (como se cogitou nos bons tempos do Império do Sol Nascente), já que a cultura japonesa é calcada na solidariedade e no coletivo, enquanto a cultura chinesa é muito mais isolacionista (haja vista a individualidade socialmente autista dos chineses em seu dia-a-dia urbano) e antropocêntrica (haja vista seu modelo de desenvolvimento industrial, altamente predatório, reeditando um cenário digno dos romances de Charles Dickens ou das denúncias de Friedrich Engels). Uma postura não muito surpreendente para um país cujo nome significa “Reino do Meio”. De qualquer modo, ainda vivemos em um mundo multilateral onde EUA, Alemanha, Índia, Japão e Brasil, entre outros, dividem o cenário com o dragão chinês. Pelas primeiras palavras de Hollande, a França é uma peça prestar a traçar uma outra trajetória no tabuleiro geopolítico. É por isso que, onde Coutinho enxerga um naufrágio, eu ainda visualizo alguns botes salva-vidas, seja na complexidade em si da realidade européia, que não se esgota nos extremismos políticos, seja na multilateralidade de um século que, se não é mais americano, não é totalmente chinês. Ainda não. Ainda bem.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Mais uma troca de ideias: Sérgio Lazzarini

Novamente tive o imenso prazer de dialogar com mais um mestre/amigo nessa discussão sobre minha dissertação. Desta vez, foi o professor do INSPER/SP, Sérgio Lazzarini, que vem acompanhando esse trabalho desde o início (Sérgio foi um dos três entrevistados, ao lado de Vitor Lopes e Gustavo Pessoti, que fizeram parte da minha pesquisa exploratória no início da dissertação). Sérgio é autor do livro “Capitalismo de Laços”, uma das obras de referência na minha dissertação e um dos maiores especialistas nessa relação entre Estado e Economia. Inclusive disponibilizei a resenha crítica desse livro aqui no blog. Fato é que Sérgio conseguiu, na sua agenda complicadíssima, ler a versão de discussão do Capitulo 1 e fez várias críticas, alertas e sugestões extremamente importantes. Porém, resolvi colocar aqui no blog por uma breve discussão sobre a posição dos liberais em relação ao Estado. Foi novamente um prazer dialogar sobre o meu tema com um parceiro tão significativo. Obrigado Sérgio!

Sérgio Lazzarini:
“Fagner:
Tudo bem? Foi ótimo te encontrar em Salvador semana passada! Na volta, tive o prazer de ler o seu texto. Super legal seu tema; aprecio a sua ambição e desenvoltura para fazer de algo tão relevante e complexo.
Seguem alguns comentários:
1. No começo, você cita Eli da Veiga, Bresser Pereira, Pochman etc. em trabalhos que (pelo está indicado no seu texto) foram publicados em jornais. Senti falta, entretanto, de mais referências a esse tema “neodesenvolvimentismo” em artigos e livros mais acadêmicos; e, também, na literatura internacional. Você diria, por exemplo, que a Alice Amsden tem uma perspectiva “neodesenvolvimentista”? Acho importante fazer esse gancho com a literatura internacional.

2. Também não está claro o seu fechamento empírico. Você quer discutir “neodesenvolvimentismo NO BRASIL” ou “neodesenvolvimentismo EM GERAL” a partir de evidências no Brasil? Perceba a diferença; isso é importante para demarcar a abrangência e impacto do seu estudo.

3. No item 1.1: para enriquecer essa discussão, acho que você deve ler e citar o livro do Aldo Musacchio: Experiments in financial democracy: corporate governance and financial development in Brazil, 1882-1950. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

4. Logo em seguida, você cita o texto do Bresser dizendo que o estado deve ser forte “em termos financeiros”. Mas o que seria isso, especificamente? Tendo, por exemplo, bancos públicos fortes? Participando da composição acionária de empresas?

5. Em seguida você entra na discussão sobre patrimonialismo (seção 1.2). Achei legal a discussão, mas acabou um pouco “truncando” o argumento. Antes de falar sobre os “contras” de intervenção estatal, acho que seria legal você citar os “prós”. Por que precisamos de política industrial? Do jeito que está, parece que você está sendo muito contrário a intervenções do governo, por entender que existem riscos patrimonialistas. (E eu sei, por já ter conversado com você, que não é o caso – você tem uma visão bem balanceada e lúcida sobre a questão.) Minha sugestão é fazer uma discussão anterior dizendo que existem prós e contras, e que você irá agora enfatizar nos contras...

6. Ainda ligado ao comentário acima, há uma certa mistura dos termos “clientelismo” e “patrimonialismo”. Em alguns escritos (como o livro do Edson Nunes, “A gramática política no Brasil” – inclusive no prefácio do Bresser), há uma confusão total dos termos. Mas acho que há uma certa discussão. “Clientlismo” tem sido usado, para descrever trocas que existem entre o sistema político, o governo, e o empresariado (ex: financiamento de campanha em troca de projetos públicos); na minha leitura pessoal, é o que mais se aproxima da ideia de “crony capitalism” discutida na literatura internacional (veja Haber, Stephen. "Introduction: the political economy of crony capitalism." In Crony capitalism and economic growth in Latin America: theory and evidence, editado por Stephen Haber, xi-xxi. Stanford: Hoover Institution Press, 2002). “Patrimonialismo”, pelo menos na abordagem original de Weber, tem a ver mais com uma “rede patriarcal” (para usar a expressão de Faoro) que se estabelece entre governantes e pessoas na própria esfera pública. Acho que vale despender um tempo diferenciando isso. Minha sugestão, também, é que você leia os clássicos internacionais nessa área, especialmente o excepcional livro de Phillipe Schmitter, Interest conflict and political change in Brazil. Stanford: Stanford University Press, 1971.

7. Na seção 1.2, não deveria ser “Aloizio” ao invés de “Paulo” Mercadante?

8. Não entendi por que você precisa colocar a sua “Terceira Tese”. O objetivo do seu trabalho é discutir as origens do patromonialismo ou como isso se encaixa em um contexto de política industrial?

9. Mais para o final do texto, você coloca que “... o conceito de Estado é alvo de uma verdadeira demonização tanto pelos liberais quanto pelos neoliberais...” Isso é incorreto, pois qualquer livro-texto neoclássico (se entendermos que a economia neoclássica alimenta a perspectiva liberal) reconhece a existência de falhas de mercado e propõe remédios fortes. Os impostos Pigouvianos, por exemplo, pressupõe um estado bem forte e presente.

Grande abraço, parabéns e boa sorte na conclusão da sua pesquisa!

Sérgio.”

Fagner Dantas:
“Sérgio,

Rapaz, obrigadíssimo pelos comentários, crítica e sugestões. Nem quero imaginar como é complicado você encontrar um tempinho nessa sua agenda, ainda mais para ler um primeiro capítulo ainda muito verde (nem meu orientador tinha lido ainda). Alguns alertas e correções suas também foram feitas por ele (pontos 7 e 8, por exemplo). Mas algumas questões que você levanta são novas e importantíssimas, como trazer os prós da intervenção estatal (Ponto 5). Como a dissertaçao em si se baseia nesses prós, acho que passei batido aqui, mas vou rever isso.

Com relação ao ponto 9, sem querer polemizar, o que coloco como "demonização do Estado" refere-se a uma ênfase nos aspectos negativos do Estado, seja a sua captura por grupos de interesse (a elite econômica, numa perspectiva Marxista ou grupos próximos ao poder político, na visão da Escola Pública, que lastreia a visão neoliberal também), seja numa visão de Estado como, no máximo, um mal necessário, a la Hobbes. Quando se alegam falhas de mercado para ressaltar a importância da participação do Estado na economia, isso ainda continua na esfera do que estou chamando de "demonização". Por quê? Porque o ideal continua sendo o mercado livre. Se o Estado entra, mesmo numa perspectiva keynesiana, é para consertar o que está errado e sair de novo, deixando o mercado, agora "curado", livre novamente. Em momento algum se assume uma postura como as de Veblen, Rosenstein-Rodan, Hirschmann, Gerschenkron, Polanyi, Evans, Chang ou Amsden sobre a potencialidade positiva do Estado. De qualquer modo, é sempre difícil generalizar (os "liberais" incluem pelo menos Smith, Ricardo, Malthus e Mills, que tem algumas divergências agudas entre eles. Agora, acredito que é possível construir um consenso em torno de uma visão negativa desses autores em relação ao Estado, principalmente pelo seu contexto histórico, pois todos escreveram na transição entre o Estado Absolutista e o Estado Liberal, enaltecendo este último e "demonizando" o primeiro. É neste sentido que congrego liberais e neoliberais (aos quais poderia juntar os marxistas) numa ênfase aos aspectos negativos do Estado, de um lado, e os Institucionalistas Originais (Veben e Cia) e seus seguidores (Polanyi, Evans, Chang e Cia), numa ênfase aos aspectos positivos, de outro. Considerando que todas as generalizações e dicotomias são burras, mas as vezes necessárias, enquanto sintese (já passei das 400 pags!), optei por mantê-las na versão reduzida do texto. De qualquer modo, o seu questionamento me obriga a esclarecer melhor esse aspecto, mesmo no texto reduzido.

Novamente, obrigado por mais essa possibilidade de interlocução, Sérgio.

Forte abraço.

Fagner”

Sérgio Lazzarini:
“Grande prazer, meu caro. O seu tema me interessa muito, super legal essa oportunidade de conversar.

Sobre o seu ponto: “livre mercado” é um construto muitas vezes distorcido. Para o mercado funcionar, é preciso instituições fortes (veja os “novos institucionalistas”, de North a Acemoglu). E a minha leitura é que mesmo os mais liberais não desconsideram o papel do governo. Pergunto se é preciso mesmo demarcar na sua tese essa “oposição de campos”, ou alternativamente tentar esclarecer o ponto de cada lado. Mas, enfim, a tese é sua, realmente parabéns pela escolha do tema e pelo excelente trabalho de resgatar esse importante debate.

Abraço, Sérgio.”

sexta-feira, 9 de março de 2012

Capitulo 2 Versão Preliminar

Disponibilizo aqui a primeira versão, ainda não revisada pelo orientador, do Capítulo 2 da minha dissertação. Novamente foram preciso vários cortes (de 84 páginas para 59), o que obrigou a retirar algumas discussões interessantes que estarão na versão integral, que também disponibilizarei aqui. A versão preliminar, sem revisão, do Capítulo 1 está disponível num link colocado no post anterior, sobre os comentários que a professor Míriam Velasco fez acerca dele (outros colegas como Flávio Novaes e Glória Cecília Figueiredo também comentaram o texto do Capítulo 1, pelo que lhes sou grato).
As principais considerações deste Capítulo 2 (que podem ser melhor observadas no próprio capitulo) são observações acerca da Política Industrial da Era Lula, mais especificamente a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). Inicialmente é feito um breve histórico sobre as tentativas de se fazer política industrial no Brasil (em fases que chamo de Medidas Pró-Indústria; Políticas Pró-Indústria; Política Industrial Natimorta; e Política Industrial Revigorada). Destaca-se aqui o que chamo de "incoerência intrasistêmica", ou seja, condutas contraditórias por parte do governo ao apoiar a indústria, cujo primeiro caso foi a revogação da proibição de manufaturas no Brasil simultaneamente à abertura dos portos aos produtos manufaturados ingleses. Posteriormente, examina-se a PITCE a partir do prisma da Public Policy Analysis, um modelo que permite avaliar as políticas públicas não só através do exame do seu conteúdo ("Policy"), mas também do ambiente institucional em que o mesmo é produzido ("Polity") e do processo político para sua construção ("Politics"). Os achados ai são vários, desde as dificuldades na relação Estado-Mercado (avaliado aqui através de quatro modelos de relação que servem de comparação com o patrimonialismo exposto no Capítulo 1: autonomia inserida - Peter Evans; corporativismo - Philippe Schmiter; Anéis Burocráticos - Fernando Henrique Cardoso; e Capitalismo de Laços - Sérgio Lazzarini), passando pela análise do "esforço dúplice" (apoio tanto aos setores tecnologicamente inovadores quando ao setores primário-exportadores) presente nos documentos que antecederam a PITCE, bem como a evolução do tratamento dessa questão até o texto final da política; até as diversas questões que se colocam no exame do conteúdo da PITCE (questionamento quanto aos setores escolhidos; modelo de governança proposto, etc). Posteriormente se avalia os resultados dos quatro anos de aplicação da PITCE (2004-2008) para concluir com a contraposição entre o que chamamos de "agenda oficial", voltada pela inovação tecnológica, e a "agenda oculta", cuja prática está mais direcionada aos setores primário-exportadores, o que tem preocupado, entre outros, pesquisadores do próprio governo (IPEA) que tem denunciado essa prática.
Essas são algumas das questões debatidas nesta primeira versão do Capítulo 2. O mesmo está disponível no seguinte link:
http://www.4shared.com/office/Ka8YHBlM/Captulo_2_Verso_Preliminar.html

segunda-feira, 5 de março de 2012

Comentários da Professora Miriam Velasco sobre a nossa Pesquisa.

A queridíssima professora Míriam Velasco, ainda do meu curso de Urbanismo, foi uma das pessoas para as quais mandei a primeira versão do capítulo 1 da minha dissertação, que disponibilizo no link abaixo, em versão não revisada pelo orientador:
http://www.4shared.com/office/zCvjh_GF/Captulo_1_Verso_Preliminar.html
Míriam é uma das pessoas mais capacitadas para discutir gestão pública não só a partir da sua operacionalidade, mas principalmente enquanto manifestação das contradições políticas do Estado. Esse tipo de visão crítica, para além do pragmatismo das formas, é extremamente bem-vindo para a pesquisa que empreendo. Como no caso de Flávio Novaes, os meus comentários acabaram se tornando uma exposição da minha pesquisa, que acredito qe valha a pena registrar aqui no blog:
Miriam Velasco:
"Oi Fagner,
Primeiramente, agradeço a deferência na socialização de sua produção acadêmica, com certeza será uma importante contribuição para o entendimento e visualização da problemática pública. Em seguida, minhas desculpas pela demora no retorno. Estava absorvida na leitura de uma dissertação depois essa retomada de aulas e planejamento do próximo semestre.
Dei uma rápida leitura... e justamente como leitora distante do processo de produção de teus raciocínios, peço licencia para fazer alguns comentários que espero não estejam muito atrasados.
Assumindo que a abordagem tem como foco principal entender (possíveis) transformações do Estado na atual conjuntura, a alerta inicial seria no sentido de registrar/explicitar e diferenciar, mesmo que seja como rodapé o alcance da crítica. Isto é, esclarecer que o caráter do Estado, ou seja a essência de tuas preocupações é o Estado capitalista – a partir disto a pergunta seria o que preocupa? é a mudança de papel em relação ao processo de acumulação? ou de modelo de intervenção em relação à sociedade como um todo?
Só para referenciar a inquietação lembre que em alguns dos trechos das publicações de Bresser Pereira ele explicita muito bem que a preocupação de suas abordagens é com as mudanças no modelo administrativo e não com o caráter do Estado.
Nesse mesmo sentido, a contextualização histórica é uma questão importante de ser considerada na estruturação do texto e no próprio conteúdo, no caso a ordem de tópicos, não poderia ser 1) patrimonialismo, 2)republicanismo, e aí sim, o 3)neoinstitucionalismo?
Bom para ilustrar a preocupação, coincidentemente neste final de semana, vi a matéria que está embaixo... talvez seu conteúdo ajude a me fazer entender e justifica a necessidade de explicitar melhor o contexto histórico.
O 'desenvolvimentismo de esquerda'
José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
link: http://fernandonogueiracosta.files.wordpress.com/2012/02/o-desenvolvimentismo-de-esquerda.pdf
Abraço especial e muito sucesso na empreitada!!
Miriam"

Fagner Dantas:
"Obrigado pelo retorno, Miriam. Só tenho a agradecer por essa oportunidade de interlocução.
Quanto as questões colocadas, são todas pertinentes, como não poderiam deixar de ser vindas de você.
Com relação à caracterzação do Estado de que trata como Estado Capitalista, acredito que mereça, no mínimo, como você disse, um esclarecimento. Porém, reconheço que para mim é difícil configurar um outro Estado "existente" sem ser o capitalista, após os aventos do triênio 1989-1991. Essa dificuldade expressa-se tanto no desconhecimento que assumo de Estados Comunistas, Socialistas ou qualquer outro formato que exclua os reconhecimento da propriedade privada (China ou Cuba, que poderiam ser citados, já flexibilizaram demais os seus sistemas econômicos para serem assim clasificados) quanto no entendimento de que o Estado Capitalista não assume uma única forma, limitada a exploração do trabalho pelo capital, ou da mão de obra pela burguesia, mas sim responde as chamadas "variedades do capitalismo" (Amable, Hall & Soskice, etc). Assim, para uma proposta que busca discutir, em particular, o Brasil (claramente um Estado Capitalista) e, de modo geral, o Estado Contemporâneo (Majoritariamente Capitalista), acho que acabei me deixando levar pelas minhas "certezas" e esquecendo que este é um tipo de Estado com características próprias, historicamente constituído, e que, portanto, precisa ser devidamente caracterizado para que não seja visto como um Estado "natural", que sempre foi assim e que assim sempr será. Obrigado pelo toque.
Com relação à pergunta, para uma dissertação no campo da admnistração pública (ainda que eu peque muitas vezes por tratar este texto como um texto de ciência política - ou seja, uma típica "idéia fora do lugar"), e não no campo da economia (ainda que com esse deflagre constante diálogo), o que me interessa, se fosse resumir nas opções dadas, seria entender as modificações na forma de atuação do Estado, enxergando-a através da mudança nas suas relaçoes com a sociedade (entendida ai conjuntamente como Mercado e Sociedade Civil Propriamente Dita). Com relação ao Bresser-Pereira, que é um interlocutor constante no meu trabalho (e não só bibliográfico, pois tive a oportunidade de entrevistá-lo em São Paulo em novembro de 2011), acredito que muito da sua produção (tanto acadêmica quanto política, na condição de Ministro) está de fato voltada pela a Reforma do Estado dentro do paradigma gerencialista. Porém, Já em 1998 (Reforma do Estado para a Cidadania) ela abordava um tema que excede a operacionalidade do modelo administrativo do Estado: os chamados "Direitos Republicanos". Posteriormente, em 2009, ele se debruçou com mais ênfase ao tema, escrevendo "Construindo um Estado Republicano", onde, além de rediscutir os direitos republicanos, avança no exame da literatura neo-republicanista (Skinner, Pettit, Sandel, etc), que é o terceiro pilar sobre o qual construo a minha pesquisa. A discussão neo-republicana (que tem, entre suas justificativas, a oposição de uma outra bandeira ideológica ao liberalismo, após o fim do socialismo real - que não obstante, foi defendido ardentemente por outro entrevistado meu, João Furtado, da UNICAMP, sem deixar muito claro, no entanto, o que ele entende por socialismo, é importante ressalvar...) excede modificações de cunho operacional, com exceções de alguns avanços nessa área por parte de autores como Philip Pettit e Maurizio Viroli. A minha empreitada é justamente linkar, via Economia Política Institucionalista (proposta pelo anglo-coreano Ha-Joon Chang, escudado em trabalhos clássicos como o de Karl Polanyi e Joseph Schumpeter e acompanhada por contemporâneos como Peter Evans, Robert Wade, Alice Amsden e Geoffrey Hogdson, que propõe novas visões sobre o Estado, o Mercado e a Política e, principalmente, que as instituições podem mudar as motivações das pessoas e não apenas seu comportamento - como defendem outra corrente institucionalista, a Nova Economia Institucional, de Coase, Williamson e North, que sequer deveria se chamar institucionalista pois se opõe a elementos fundamentais do Institucionalismo Original proposto por Veblen, Mitchel e Commons), a proposta de Estado Neo-Republicano, baseado na ética do serviço público, contestabilidade cidadão da Ordem Pública, valores cívicos, titularidade dos cidadãos em relação à res publica (ao patrimônio público manipulado, via mandato, pelos representantes eleitos), com o Estado Neo-Desenvolvimentista que vem se constituído nessa primeira década do Século XXI. Esse é um fenômeno mundial (de afastamento declarado - pois na prática, já havia - do discurso neoliberal como "fim da história", como proposto por Fukuyama, em 1991), que, no Brasil, apresenta "rugosidades" (como diria Milton Santos) que requerem cuidados especiais. Dentre estas, a que me instiga é o DNA patrimonialista, uma vez que um Estado necessariamente mais infiltrado na economia (como sói ser o Estado Neo-Desenvolvimentista), é um Estado que oferece mais chances à sobreposição do interesse público pelo interesse privado. Na minha contraposição a esta ameaça, apesar de haver espaço para mudanças mais operacionais (vitalização da atuação dos órgãos de controle do Estado, abertura de novos fóruns de construção de legitimidade dialogada para substancializar as políticas públicas, ampla transparência e efetivação da accountability que leve à responsabilização dos malfeitores, etc), o cerne está em mecanismos de fomento ao Estado Republicano que, como tal, excede a máquina, seja ela pública ou privada, e atinge as pessoas, no sentido de contrometê-las com outra ordem de valores, calcados principalmente na co-responsabilizaçao público-privada pelo manejo do patrimônio público. Assim, ética pública, virtude cívica e interesse coletivo deixam de ser "delírios ingênuos", como às vezes são chamados pelos "fetichistas institucionais", que acham que resolvem tudo através de uma equação equilíbrada entre incentivos e punições, para sempre bússolas principiológicas para a atuação real e necessariamente conflituosa do Estado.
Quanto à questão cronológica de apresentação das três matrizes discursivas, acredito que ela seja menos importante do que a apresentação "lógica" do problema, qual seja: 1) o meu objeto de estudo: o neo-desenvovimentismo; 2) o prolema oposto a ele: o patrimonialismo; 3) a solução proposta: o neo-republicanismo. O neo-institucionalismo (ou a Economia Política Institucionalista, que esta a ele vinculado) é apenas um referencial teórico para tratar, em outras bases, dos conceitos de Estado, Mercado e Política, na discussão do Estado Neodesenvolvimentista, da Política Industrial (meu objeto empírico de demonstração do neo-desenvolvmentismo) e do patrimonialismo, respectivamente. Quando da avaliação da Política Industrial enquanto política pública, utilizo a Public Policy Analysis (apresenta em artigo de Klaus Frey, em 2000), que divide a análise em "Polity" (ambiente institucional onde é gestada a política em questão - fundamental para visualizar os vícios do Estado brasileiro, entre eles o patrimonialismo, e como esse vícios distorcem as potencialidades de formas positivas de articulação entreEstado e Mercado, com a "autonoma inserida", visualizada em trabalho de Peter Evans), "Politics" (o processo político de construção da política pública, da sua inserção na agenda pública até sua materialização na política anunciada) e em "Policy" (o conteúdo da política em si, revelando contradições internas frutos do ambiente e do processo político em que a mesma foi construída).
Quanto ao artigo de Fiori, conheço bem. Aliais, ele tem uma obra importante sobre a proposta desenvolvimentista chamada "O Vôo da Coruja", que integra a minha biblografia, com certeza. É também um interlocutor importante nesse diálogo.
Novamente obrigado por essa oportunidade de discussão, Míriam. É certamente ao "textualizar" nossos pensamentos que eles se tornam mais claros, seja em seus pontos fortes ou defeitos.
Forte abraço.
Fagner"

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Exposição Sintética da minha Pesquisa

O colega de mestrado Flávio Novaes, comentando o resumo aqui publicado do livro "Chutando a Escada", de Ha-Joon Chang, falou da contradição apontada por ele entre o discurso do neoliberalismo e seu Estado Mínimo e a prática de intervenção dos Estados ditos "neoliberais" (EUA e companhia) na economia. Na resposta dada, acabei resumindo vários pontos e autores fundamentais para a minha pesquisa, que acho que vale a pena colocar aqui por ser quase um resumo dela:

"Valeu pelo comentário e pela troca de idéias. Por incrível que pareça, a primeira vez que vi essa contraposição entre o discurso neoliberal de Estado Mínimo, etc, e a atuação dos Estados nacionais de apoio às grandes empresas nacionais (multinacionais só no nome) foi num comentário do ex-socialista Manuel Castels no Dicionário de Economia de Paulo Sandroni.

Na verdade, esse discurso neoliberal só teve hegemonia mesmo nos anos 1980, pois já na década seguinte, além dos escritores de esquerda (Atilio Boron, Perry Anderson, Goran Therborn, etc), mesmo escritores ligados aos mainstream (Joseph Stiglitz é o mais representativo dessa mudança) e instituições como o Banco Mundial (principalmente nos reports de 1993, sobre a Ásia, e de 1997, sobre o papel do Estado na economia mundial) já demonstravam um afastamento de um neoliberalismo mais radical. A sobrevivência do discurso por mais uma década decorreu exclusivamente da queda do socialismo real no triênio 1989/1991.

Considero o Chang fundamental para entender essa mudança de posição, pois junto com o Peter Evans, o Dani Rodrik, a Alice Amsden, o Geoffrey Hodgson (trabalhando em cima do trabalho que caras como Karl Polanyi, Joseph Schumpeter, Albert Hirschman, etc fizeram) e outros pensadores de tez mais institucionalista, contrários ao neoclassicismo, ele tem demonstrado que o discurso neoliberal, além de falso em essencial, é cheio de contradiçoes internas. A que mais me chamou atenção foi a tentativa de unir a economia neoclássica de caras como Alfred Marshal, John Clark Bates e Vilfredo Pareto com o discurso do libertarismo austríaco de Friedrich von Hayek. Sempre achei que Hayek fosse um neoliberal de carteirinha, principalmente por aquela história que nos contam pela metade sobre a Sociedade de Mont Pelerin e o nascimento do neoliberalismo, na década de 1940. Não entendia como um cara como Karl Popper (que admirava pelo seu trabalho filosofico e pela obra "A Sociedade Aberta e seus Inimigos" - apesar de achar estranho que um cara como George Soros, megaespeculador mundial, use-o sempre como referência para os seus livros sobre o captalismo) tinha se juntado com o Hayek, que eu colocava no mesmo pacote que o Milton Friedman (esse sim um bom sacana!). Porém, Chang faz uma leitura bastante positiva de Hayek, destacando principalmente as suas críticas contra a economia neoclássica. Passei a ler em outras obras que Hayek tinha uma visão mais profunda e crítica sobre o funcionamento da economia. Ainda que não concorde com ele, não o coloco mais no mesmo barco que o Friedman (algo semelhante aconteceu com o Adam Smith, que também sempre vi pelo lado de pai do liberalismo e criador da mitologia da "mão invisível", mas que também tinha uma visão mais ampla, dissertando sobre os sentimentos morais antes de escrever sobre a riqueza das nações e apontando a "mão invisível" apenas nas condições de um mercado ideal - grande número de competidores e mercado consumidor informado - condições completamente distintas do sistema oligopolizante e altamente complexo que é o capitalismo moderno).

O problema na superação do neoliberalismo enquanto ideologia econômica dominante (e, em algum aspecto, continua dominante, pois o The Economist fez um debate agora propondo como alternativa o chamado "Capitalismo de Estado" - cujo nome acho até errado, pois já houve um "capitalismo de estado", com outros nomes como Keynesianismo, Desenvovimentismo, Welfare State, mas que significavam todos intervenções do Estado na Economia - e não estou falando nem em economia planificada estilo socialista - e a tese foi derrotada pelos leitores. Apesar de conhecer o foco conservador da publicação, achava que a sitação da Crise de 2008 e os argumentos do Aldo Mussachio - que está escrevendo um livro com nosso Sergio Lazzarini sobre Capitalismo de Estado no mundo - levariam à vitoria da tese, que é a mesma que defendo na minha dissertação) é a ausência de uma alternativa ideológica que una (de forma mais coerente do que o neoliberalismo) ferramental metodológico consistente e discurso mobilizante teoricamente fundamentado. Chang tenta fazer isso com a proposta da Economia Política Institucionalista, que se propõe a fazer uma releitura do Mercado, do Estado e da Política em base diametralmente opostas ao do neoliberalismo: o mercado não possui racionalidade lógica, pois é uma construção política intrinsecamente conflituoso e sujeita às mesmas pressões de interesse aos quais os neoliberais acusam o Estado de se sujeitar; o Estado não só é necessário para criar o mercado original (entendido como sistema de trocas regulado. Se se quer forçar a barra para dizer que mercado e escambo são a mesma coisa, é possível forçar a barra também para dizer que o conjunto de regras de troca simples, que também existiam, era uma espécie de Estado "informal") como é responsável pela sua manutenção e por alguns dos seus principais avanços (a Era do Ouro do Capitalismo - 1945/1970 é resultado de fortes intervenções, tanto do New Deal americano, do Welfare State europeu e do desenvolvimentismo nos países em desenvolvimento da América do Sul e da Ásia.), não sendo "o repositório de todos os pecados" como faz crer os neoliberais, ainda que se reconheça que os Estado tem falhas, como também as tem o mercado; por fim, a Política não é um ambiente ocupado apenas pelo indivíduo típico construído pela economia neoclássica e abraçado pelo neoliberalismo, ou seja, o indivíduo movido exclusivamente pelo auto-interesse, pelo oportunismo egoísta e que a cada decisão faz apenas uma avaliação de custo-benefício para maximizar sua função-utilidade (para usar um termo caro ao Utilitarista Jeremy Bentham), mas sim é capaz de hospedar diversos comportamentos somente explicáveis por critérios não-mercadológicos (está se falando aqui de Política, que inclui a política partidária, mas não se esgota nela). Questões consideradas como "devaneios ingênuos" pelos neoliberais, contratualistas, utilitaristas, economistas neoclássicos (e vinculados à NEI, que tem raízes no Institucionalismo Original, de Veblen, Mitchel e Commons, mas apega-se ao individualismo metodologico dos neoclássicos, princípio que gerou a crítica dos institucionalistas originais) como ética, valores públicos, interesse coletivo, orgulho cívico e outros elementos que podemos enquadrar dentro das "virtudes republicanas", são valorizados por autores como Chang, Evans, Rodrik e Hodgson (para não falar dos neo-republicanistas que venho estudando - Pocock, Skinner, Pettit, Bignotto, etc - e que pretendo linkar com a Economia Política Institucionalista de Chang na avaliação das condições de um Estado Neodesenvolvimentista - porque os limites impostos pelo patrimonialismo já foram comprovados pela minha avaliação da Política Industrial através da Public Policy Analysis; ou seja, existe uma "agenda oficial" desenvolvimentista da PI, focada em inovação, tecnologia, e existe a "agenda oculta" patrimonialista, focada nos mesmos velhos setores primário-exportadores de sempre e nas relações informais entre políticos e grandes empresários - retratadas por Lazzarini, no livro "Capitalismo de Laços", que também tem uma resenha no blog - materializadas nas pouco explicadas "escolhas de campeãs nacionais" do BNDES).

Forte abraço e vamos continuar essa troca de idéias!!"

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Série Entrevistas Neoestratégicas: Mário Salerno (USP)

Disponibilizamos agora a primeira entrevista que fizemos durante a nossa temporada em São Paulo, em novembro de 2011. Trata-se da entrevista com o professor Mário Salerno, da USP, um dos principais responsáveis pela Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior - PITCE. Além do professor Salerno, gravamos em audio e video entrevistas com os professores Wilson Suzigan e João Furtado, da UNICAMP, que também disponibilizaremos aqui. Disponibilizaremos ainda a entrevista em audio que fizemos com o ex-Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. Abaixo segue os principais pontos da entrevista, o link para o video com alguns trechos da entrevista e o link para o audio na íntegra.
PROJETO
CONDIÇÕES E LIMITES DO NEO-DESENVOLVIMENTISMO NO BRASIL
SÉRIE: ENTREVISTAS NEO-ESTRATÉGICAS
O Entrevistado: O professor Mário Salerno é atualmente Coordenador do Laboratório de Gestão da Inovação (LGI) do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP. O Prof.º Salerno é graduado em Engenharia de Produção pela Poli-USP (1979), mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), especializado em Inovação Tecnológica e Desenvolvimento (Institute of Development Studies, University of Sussex, Inglaterra, 1986), doutor em Engenharia de Produção pela Poli-USP (1991), com período "sanduíche" junto à Politécnica de Milão, Itália (1989), pós-doutorado no LATTS (Laboratoire Techniques, Territoires et Sociétés / Ecole Nationale des Ponts et Chaussées (França, 1996), livre-docente em Engenharia de Produção pela Poi-USP (1998). Membro do comitê científico da rede internacional de pesqusias Gerpisa (www.gerpisa.org), editor regional do International Journal of Automotive Technology and Management e editor associado para as áreas de Estratégia, Organização e Trabalho da revista Gestão & Produção. Ex-Diretor de Desenvolvimento Industrial da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI (2005-6), Ex-Diretor de Desenvolvimento Industrial do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea (2003-4), quando coordenou estudos e participou da coordenação do Grupo Executivo que elaborou as Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior do Governo Federal.
O Entrevistador: Fagner Dantas é Analista de Planejamento e Desenvolvimento Urbano da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Meio Ambiente de Salvador (SEDHAM/PMS) e consultor nas áreas de Direito Urbanístico, Planejamento Urbano e Administração Pública, áreas nas quais vem acumulando experiência docente (UNIFACS/EAD) e produção acadêmica, publicando artigos em periódicos nacionais e internacionais, bem como apresentando trabalhos em seminários especializados. Bacharel em Urbanismo (UNEB/2001) e Direito (UFBA/2007), atualmente conclui o Mestrado em Administração, também na UFBA, onde vem desenvolvendo o projeto “Condições e Limites do Neo-Desenvolvimentismo no Brasil: um olhar institucionalista sobre a Política Industrial da Era Lula”.
O Projeto: Busca discutir os limites impostos ao atual Estado Neo-Desenvolvimentista (um Estado que retoma uma intervenção mais explícita na economia e é por isso associado ao Estado Desenvolvimentista dos anos 1930-1950 – fenômeno que vem sendo estudado por nomes como Bresser Pereira, Márcio Pochmann, João Paulo de Almeida Magalhães, João Sicsú, entre outros) pelo patrimonialismo resiliente (cuja análise remonta aos trabalhos clássicos de Raymundo Faoro, Simon Schwartzman e Edson de Oliveira Nunes e é ainda hoje estudado em suas diferentes formas por nomes como José Antônio Gomes Pinho, Sérgio Lazzarini, José Julio Senna, entre outros) e as possíveis condições abertas a este Estado pela aplicação do ideário neo-republicano (cujas bases foram lançadas por autores como Pocock, Skinner, Petit e Viroli, e que vem tendo recepção na literatura de ciência política brasileira pelas mãos de Newton Bignotto, Sérgio Cardoso, Renato Janine Robeiro, entre outros) que busca contrapor ao predomínio do interesse privado da ideologia liberal o cultivo da cultura cívica, a viabilidade de uma ética pública, a defesa da relevância da Política e a necessidade de uma radicalização democrática pela via da participação cidadão no processo de construção das políticas públicas. Como substrato empírico para esta pesquisa, usa a Política Industrial da Era Lula, consubstanciada na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE, de 2004; na Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP, de 2008; e no Brasil Maior, de 2011, com destaque para o exame do contexto de formação, do conteúdo e dos resultados da PITCE, no período 2004-2008. Por fim, cabe destacar que usa como lente interpretativa desse processo a vertente institucionalista (particularmente os trabalhos de seus criadores Thorstein Veblen, Wesley Mitchel e John Commons, com destaque para o primeiro), particularmente os trabalhos enquadrados numa sub-vertente chamada Economia Política Institucionalista, capitaneada pelo economista anglo-coreano Ha-Joon Chang, mas que tem ramificações tanto à montante (em nomes como Karl Marx, Joseph Schumpeter e Karl Polanyi) quanto à jusante (em nomes como Dani Rodrik, Peter Evans e Geoffrey Hodgson).

Principais destaques da entrevista com o Prof.º Mário Salerno (entrevista realizada em São Paulo, na USP, em 24 de novembro de 2011).
Contexto inicial da retomada da política industrial: Já havia menções à política industrial no programa eleitoral do candidato Luís Inácio Lula da Silva. Porém, muito vagas, como é comum em um programa eleitoral. Em fevereiro de 2003, o Prof. Salerno foi convidado para trabalhar no IPEA para discutir políticas de produção. Posteriormente foi criado o Grupo Executivo da Política Industrial – GEPI. As reuniões ministeriais onde se discutia a Política Industrial eram reuniões semanais (às quartas-feiras) e ocorreram durante o ano de 2003. Elas eram articuladas na Câmara de Política Econômica e presididas pelo Ministro da Fazenda. Participavam das reuniões os ministros da Fazenda, da Casa Civil, do Planejamento, de Ciência e Tecnologia e, a depender do tema, era convocados ministros de outras pastas, como a da Saúde, na discussão da política para fármacos. Já no Grupo Executivo da Política Industrial, estavam o BNDES, representado pelo Dr. Fábio Erber, a FINEP, o IPEA, representado pelo entrevistado, a APEX, entre outras. No começo da discussão da Política Industrial, no Grupo Executivo, havia participação da equipe de infraestrutura e essa também entrava na pauta da discussão, principalmente em função dos chamados “gargalos” do crescimento econômico brasileiro, como portos, estradas, aeroportos, etc. Porém, a infraestrutura lida com dimensões tão grandes, com volumes tão desproporcionais em relação às outras discussões que ela acabava “engolindo” tudo. O entrevistado foi um dos que defendeu que, apesar da necessária vinculação entre política industrial e infraestrutura, essa última é tão característica que deveria ser discutida em separado. Além das reuniões ministeriais e do grupo, havia interlocuções dos ministros em alguns fóruns e com alguns empresários. Além disso, houve diálogos com a Confederação Nacional da Indústria – CNI, com várias das federações estaduais, entre outras instituições ouvidas. No início do segundo semestre, havia uma primeira versão do documento, que viria a ser divulgada em novembro de 2003, com o nome de “Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior”. Este documento, então convertido em uma política, foi lançado oficialmente em 2004, com o nome de Política Industrial de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE.
O Conteúdo da PITCE: O conteúdo era essencialmente genérico. Não haviam instrumentos pré-determinados no texto da política. Os instrumentos foram sendo gerados posteriormente, como a Lei de Inovação, que apesar de ter sido proposta no governo FHC, foi completamente reestruturada e aprovada no governo Lula; e a Lei do Bem. Quanto à escolha dos quatro setores estratégicos para investimentos governamentais (fármacos, software, semicondutores e bens de capital), o entrevistado disse que, apesar de sempre existirem controvérsias, essas setores eram quase consensuais, no sentido de serem, simultaneamente, áreas de vanguarda na economia mundial e áreas onde o Brasil tinha imensas fragilidades. Uma base usada para chegar a esses setores foram vários estudos comparando as políticas de incentivos da União Europeia e dos Estados Unidos, mostrando como eles investiam em áreas como nanotecnologia e biocombustíveis, por exemplo.
Os principais desafios enfrentados pela PITCE: Em artigo, o entrevistado cita como principais obstáculos à PITCE os seguintes: quadros governamentais técnicos dispersos, pequeno porte das empresas brasileiras e pouco investimento em P & D. Perguntado se, ao final da PITCE, em 2008, seria possível fazer um balanço nessas três áreas, o entrevistado afirma que vê avanços, mas ainda há muito o que fazer. Primeiro, seria necessário uma reforma do Estado, o que é dificílimo. Com relação ao tamanho das empresas, isso de fato melhorou. E isso é importante porque, como o Ministro de Desenvolvimento Industrial na época, Fernando Furlan, falava, as grandes empresas tem mecanismos de superação das dificuldades vinculadas aos juros brasileiros. Assim, se cresce o número de grandes empresas nacionais, a questão do juros altos no Brasil passa a ser menos crucial para o crescimento econômico das empresas. Porém, nesse campo das empresas que estão crescendo, uma grande discussão diz respeito ao apoio que o governo, através do BNDES, deve dar para a chamada internacionalização das empresas brasileiras. Existe toda uma polêmica por traz disso, principalmente em cima da ideia de que tal estratégia significa exportar empregos que poderiam ser criados no Brasil. Para o entrevistado, essa ideia é falsa e o próprio IPEA tem estudos mostrando isso. Quanto à linha de financiamento para internacionalização de empresas, baseada numa “cesta de moedas” internacionais, ela acabou ficando cara para as empresas tomarem o dinheiro. Porém, o entrevistado destaca que ainda assim é muito melhor que exista uma linha como essa, dada pelo próprio país de origem da empresas, do que essas empresas terem que negociar, sem nenhum lastro nacional, para conseguir recursos internacionais. Por exemplo, se uma empresa brasileira quer instalar uma fábrica na Alemanha, ela até pode conseguir financiamento alemão. Mas se ela já chega com um aporte do BNDES, que é um “monstro” em termos de poder financeiro de escala global (com um orçamento maior do que o do Banco Mundial), a conversa se dá em outro patamar. Outro ponto em que a PITCE avançou, inclusive mais do que a PDP, foi na ênfase em aumentar a proporção de P&D nas empresas. O entrevistado destaca que o primeiro congresso de inovação, apesar de levar o nome da CNI, quem financiou foi o governo.
A Política de Desenvolvimento Produtivo: A política industrial no segundo governo Lula, segundo o entrevistado, foi muito dominada pelo BNDES. Isso se deve a dois fatores. De um lado, a figura do Luciano Coutinho, que era extremamente competente e conhecia tanto o funcionamento do setor industrial quanto do setor financeiros, etc. Mas, por outro lado, o BNDES aproveitou-se também de um certo vácuo deixado por ministérios que estavam mais atuantes na PITCE ,a exemplo do Ministério do Desenvolvimento Industrial e do Ministério da Ciência e Tecnologia. Agora, a fato do BNDES ser um banco interfere diretamente na forma como ele enxerga a política industrial. Assim, a lógica de viabilidade financeira dos investimentos pode, erroneamente, se colocar acima de uma lógica mais de política industrial, que implica em algumas apostas arriscadas e em alguns investimentos de mais longo prazo. Um outro aspecto que merece ser observado da PDP é que ela acabou sendo uma resposta a uma série de demandas muito pontuais, resultado da própria PITCE. Como a PITCE veio e trouxe a ideia de apoiar alguns setores, todos os outros começaram a se colocar como setores prioritários também. Assim, a PDP acabou tendo que proporcionar um espaço para cada um desses múltiplos interesses. Na prática, o que ela avançou foi no sentido de recuperar e consolidar alguns grandes grupos empresariais nacionais. De inovação, por exemplo, ela não trouxe nada de novo, segundo o entrevistado. Em parte porque, como a PDP sofre uma grande influência do BNDES, ela sofre também com a dificuldade do BNDES lidar com o conceito de inovação. Existe uma concepção tão restrita de inovação que nada é inovação.
O Brasil Maior: O entrevistado entende que existe uma linha de pensamento que liga o Brasil Maior à PITCE e a PDP, apesar de talvez isso não estar tão explícito. O Brasil Maior traz de novo uma ênfase em inovação. O fato do Aloizio Mercadante, que é um nome de peso do governo, estar a frente do Ministério da Ciência e Tecnologia, bem como o Glauco Arbix, na FINEP, dá indicações no sentido de uma maior ênfase em inovação. O que é importante verificar quando se avalia o Brasil Maior é que hoje não é mais possível fazer uma política industrial radical, do tipo “fechar mercado”, controlar o câmbio totalmente, etc. Um ganho importante vem no sentido de valorizar a indústria nacional, uma vez que as multinacionais não vão fazer desenvolvimento aqui. Quem vai fazer isso são os grandes grupos empresariais nacionais, por isso é preciso cria-los, fortalece-los e consolidá-los.
A Relação entre Estado e Mercado: Segundo o entrevistado, o Estado faz parte do Mercado, porque ele regula o Mercado. Sem arcabouço institucional não existe mercado e quem dá esse arcabouço e garante a sua efetividade é o Estado. Assim, quando o Estado emite títulos da dívida pública ou regula o juros ou mexe no câmbio, o Estado está dando o tom do Mercado. Outra coisa é que os interesses escusos não estão só nos funcionários do Estado. Existe corrupção em todo lugar, nos empresários, etc. Neste caso, o entrevistado prefere ficar com a imagem de um Estado que tem funcionários com grande autonomia e com grande responsabilidade. Nesse sentido, em algumas circunstâncias, é melhor você deixar o Estado atuar de forma mais livre e cobrar mais resultado. Por fim, o governo que assume o Estado deve ter uma linha. Não que ele seja monolítico, mas ele deve saber para onde ele está indo. Nesse sentido, até para as discussões nas câmaras de políticas públicas, o governo precisa ir preparado, porque se não a dispersão de interesses vai imobilizar qualquer esforço de discussão. Assim , o governo para operar precisa ter uma direção. Certa ou errada, vai se ver no futuro. Mas sem isso, não dá sequer para começar.

Acesse o video com alguns trechos da entrevista feita com o professo Mário Salerno:


Acesse o audio da entrevista na íntegra: