segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Série Entrevistas Neoestratégicas: Mário Salerno (USP)

Disponibilizamos agora a primeira entrevista que fizemos durante a nossa temporada em São Paulo, em novembro de 2011. Trata-se da entrevista com o professor Mário Salerno, da USP, um dos principais responsáveis pela Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior - PITCE. Além do professor Salerno, gravamos em audio e video entrevistas com os professores Wilson Suzigan e João Furtado, da UNICAMP, que também disponibilizaremos aqui. Disponibilizaremos ainda a entrevista em audio que fizemos com o ex-Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. Abaixo segue os principais pontos da entrevista, o link para o video com alguns trechos da entrevista e o link para o audio na íntegra.
PROJETO
CONDIÇÕES E LIMITES DO NEO-DESENVOLVIMENTISMO NO BRASIL
SÉRIE: ENTREVISTAS NEO-ESTRATÉGICAS
O Entrevistado: O professor Mário Salerno é atualmente Coordenador do Laboratório de Gestão da Inovação (LGI) do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP. O Prof.º Salerno é graduado em Engenharia de Produção pela Poli-USP (1979), mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), especializado em Inovação Tecnológica e Desenvolvimento (Institute of Development Studies, University of Sussex, Inglaterra, 1986), doutor em Engenharia de Produção pela Poli-USP (1991), com período "sanduíche" junto à Politécnica de Milão, Itália (1989), pós-doutorado no LATTS (Laboratoire Techniques, Territoires et Sociétés / Ecole Nationale des Ponts et Chaussées (França, 1996), livre-docente em Engenharia de Produção pela Poi-USP (1998). Membro do comitê científico da rede internacional de pesqusias Gerpisa (www.gerpisa.org), editor regional do International Journal of Automotive Technology and Management e editor associado para as áreas de Estratégia, Organização e Trabalho da revista Gestão & Produção. Ex-Diretor de Desenvolvimento Industrial da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI (2005-6), Ex-Diretor de Desenvolvimento Industrial do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea (2003-4), quando coordenou estudos e participou da coordenação do Grupo Executivo que elaborou as Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior do Governo Federal.
O Entrevistador: Fagner Dantas é Analista de Planejamento e Desenvolvimento Urbano da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Habitação e Meio Ambiente de Salvador (SEDHAM/PMS) e consultor nas áreas de Direito Urbanístico, Planejamento Urbano e Administração Pública, áreas nas quais vem acumulando experiência docente (UNIFACS/EAD) e produção acadêmica, publicando artigos em periódicos nacionais e internacionais, bem como apresentando trabalhos em seminários especializados. Bacharel em Urbanismo (UNEB/2001) e Direito (UFBA/2007), atualmente conclui o Mestrado em Administração, também na UFBA, onde vem desenvolvendo o projeto “Condições e Limites do Neo-Desenvolvimentismo no Brasil: um olhar institucionalista sobre a Política Industrial da Era Lula”.
O Projeto: Busca discutir os limites impostos ao atual Estado Neo-Desenvolvimentista (um Estado que retoma uma intervenção mais explícita na economia e é por isso associado ao Estado Desenvolvimentista dos anos 1930-1950 – fenômeno que vem sendo estudado por nomes como Bresser Pereira, Márcio Pochmann, João Paulo de Almeida Magalhães, João Sicsú, entre outros) pelo patrimonialismo resiliente (cuja análise remonta aos trabalhos clássicos de Raymundo Faoro, Simon Schwartzman e Edson de Oliveira Nunes e é ainda hoje estudado em suas diferentes formas por nomes como José Antônio Gomes Pinho, Sérgio Lazzarini, José Julio Senna, entre outros) e as possíveis condições abertas a este Estado pela aplicação do ideário neo-republicano (cujas bases foram lançadas por autores como Pocock, Skinner, Petit e Viroli, e que vem tendo recepção na literatura de ciência política brasileira pelas mãos de Newton Bignotto, Sérgio Cardoso, Renato Janine Robeiro, entre outros) que busca contrapor ao predomínio do interesse privado da ideologia liberal o cultivo da cultura cívica, a viabilidade de uma ética pública, a defesa da relevância da Política e a necessidade de uma radicalização democrática pela via da participação cidadão no processo de construção das políticas públicas. Como substrato empírico para esta pesquisa, usa a Política Industrial da Era Lula, consubstanciada na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE, de 2004; na Política de Desenvolvimento Produtivo – PDP, de 2008; e no Brasil Maior, de 2011, com destaque para o exame do contexto de formação, do conteúdo e dos resultados da PITCE, no período 2004-2008. Por fim, cabe destacar que usa como lente interpretativa desse processo a vertente institucionalista (particularmente os trabalhos de seus criadores Thorstein Veblen, Wesley Mitchel e John Commons, com destaque para o primeiro), particularmente os trabalhos enquadrados numa sub-vertente chamada Economia Política Institucionalista, capitaneada pelo economista anglo-coreano Ha-Joon Chang, mas que tem ramificações tanto à montante (em nomes como Karl Marx, Joseph Schumpeter e Karl Polanyi) quanto à jusante (em nomes como Dani Rodrik, Peter Evans e Geoffrey Hodgson).

Principais destaques da entrevista com o Prof.º Mário Salerno (entrevista realizada em São Paulo, na USP, em 24 de novembro de 2011).
Contexto inicial da retomada da política industrial: Já havia menções à política industrial no programa eleitoral do candidato Luís Inácio Lula da Silva. Porém, muito vagas, como é comum em um programa eleitoral. Em fevereiro de 2003, o Prof. Salerno foi convidado para trabalhar no IPEA para discutir políticas de produção. Posteriormente foi criado o Grupo Executivo da Política Industrial – GEPI. As reuniões ministeriais onde se discutia a Política Industrial eram reuniões semanais (às quartas-feiras) e ocorreram durante o ano de 2003. Elas eram articuladas na Câmara de Política Econômica e presididas pelo Ministro da Fazenda. Participavam das reuniões os ministros da Fazenda, da Casa Civil, do Planejamento, de Ciência e Tecnologia e, a depender do tema, era convocados ministros de outras pastas, como a da Saúde, na discussão da política para fármacos. Já no Grupo Executivo da Política Industrial, estavam o BNDES, representado pelo Dr. Fábio Erber, a FINEP, o IPEA, representado pelo entrevistado, a APEX, entre outras. No começo da discussão da Política Industrial, no Grupo Executivo, havia participação da equipe de infraestrutura e essa também entrava na pauta da discussão, principalmente em função dos chamados “gargalos” do crescimento econômico brasileiro, como portos, estradas, aeroportos, etc. Porém, a infraestrutura lida com dimensões tão grandes, com volumes tão desproporcionais em relação às outras discussões que ela acabava “engolindo” tudo. O entrevistado foi um dos que defendeu que, apesar da necessária vinculação entre política industrial e infraestrutura, essa última é tão característica que deveria ser discutida em separado. Além das reuniões ministeriais e do grupo, havia interlocuções dos ministros em alguns fóruns e com alguns empresários. Além disso, houve diálogos com a Confederação Nacional da Indústria – CNI, com várias das federações estaduais, entre outras instituições ouvidas. No início do segundo semestre, havia uma primeira versão do documento, que viria a ser divulgada em novembro de 2003, com o nome de “Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior”. Este documento, então convertido em uma política, foi lançado oficialmente em 2004, com o nome de Política Industrial de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE.
O Conteúdo da PITCE: O conteúdo era essencialmente genérico. Não haviam instrumentos pré-determinados no texto da política. Os instrumentos foram sendo gerados posteriormente, como a Lei de Inovação, que apesar de ter sido proposta no governo FHC, foi completamente reestruturada e aprovada no governo Lula; e a Lei do Bem. Quanto à escolha dos quatro setores estratégicos para investimentos governamentais (fármacos, software, semicondutores e bens de capital), o entrevistado disse que, apesar de sempre existirem controvérsias, essas setores eram quase consensuais, no sentido de serem, simultaneamente, áreas de vanguarda na economia mundial e áreas onde o Brasil tinha imensas fragilidades. Uma base usada para chegar a esses setores foram vários estudos comparando as políticas de incentivos da União Europeia e dos Estados Unidos, mostrando como eles investiam em áreas como nanotecnologia e biocombustíveis, por exemplo.
Os principais desafios enfrentados pela PITCE: Em artigo, o entrevistado cita como principais obstáculos à PITCE os seguintes: quadros governamentais técnicos dispersos, pequeno porte das empresas brasileiras e pouco investimento em P & D. Perguntado se, ao final da PITCE, em 2008, seria possível fazer um balanço nessas três áreas, o entrevistado afirma que vê avanços, mas ainda há muito o que fazer. Primeiro, seria necessário uma reforma do Estado, o que é dificílimo. Com relação ao tamanho das empresas, isso de fato melhorou. E isso é importante porque, como o Ministro de Desenvolvimento Industrial na época, Fernando Furlan, falava, as grandes empresas tem mecanismos de superação das dificuldades vinculadas aos juros brasileiros. Assim, se cresce o número de grandes empresas nacionais, a questão do juros altos no Brasil passa a ser menos crucial para o crescimento econômico das empresas. Porém, nesse campo das empresas que estão crescendo, uma grande discussão diz respeito ao apoio que o governo, através do BNDES, deve dar para a chamada internacionalização das empresas brasileiras. Existe toda uma polêmica por traz disso, principalmente em cima da ideia de que tal estratégia significa exportar empregos que poderiam ser criados no Brasil. Para o entrevistado, essa ideia é falsa e o próprio IPEA tem estudos mostrando isso. Quanto à linha de financiamento para internacionalização de empresas, baseada numa “cesta de moedas” internacionais, ela acabou ficando cara para as empresas tomarem o dinheiro. Porém, o entrevistado destaca que ainda assim é muito melhor que exista uma linha como essa, dada pelo próprio país de origem da empresas, do que essas empresas terem que negociar, sem nenhum lastro nacional, para conseguir recursos internacionais. Por exemplo, se uma empresa brasileira quer instalar uma fábrica na Alemanha, ela até pode conseguir financiamento alemão. Mas se ela já chega com um aporte do BNDES, que é um “monstro” em termos de poder financeiro de escala global (com um orçamento maior do que o do Banco Mundial), a conversa se dá em outro patamar. Outro ponto em que a PITCE avançou, inclusive mais do que a PDP, foi na ênfase em aumentar a proporção de P&D nas empresas. O entrevistado destaca que o primeiro congresso de inovação, apesar de levar o nome da CNI, quem financiou foi o governo.
A Política de Desenvolvimento Produtivo: A política industrial no segundo governo Lula, segundo o entrevistado, foi muito dominada pelo BNDES. Isso se deve a dois fatores. De um lado, a figura do Luciano Coutinho, que era extremamente competente e conhecia tanto o funcionamento do setor industrial quanto do setor financeiros, etc. Mas, por outro lado, o BNDES aproveitou-se também de um certo vácuo deixado por ministérios que estavam mais atuantes na PITCE ,a exemplo do Ministério do Desenvolvimento Industrial e do Ministério da Ciência e Tecnologia. Agora, a fato do BNDES ser um banco interfere diretamente na forma como ele enxerga a política industrial. Assim, a lógica de viabilidade financeira dos investimentos pode, erroneamente, se colocar acima de uma lógica mais de política industrial, que implica em algumas apostas arriscadas e em alguns investimentos de mais longo prazo. Um outro aspecto que merece ser observado da PDP é que ela acabou sendo uma resposta a uma série de demandas muito pontuais, resultado da própria PITCE. Como a PITCE veio e trouxe a ideia de apoiar alguns setores, todos os outros começaram a se colocar como setores prioritários também. Assim, a PDP acabou tendo que proporcionar um espaço para cada um desses múltiplos interesses. Na prática, o que ela avançou foi no sentido de recuperar e consolidar alguns grandes grupos empresariais nacionais. De inovação, por exemplo, ela não trouxe nada de novo, segundo o entrevistado. Em parte porque, como a PDP sofre uma grande influência do BNDES, ela sofre também com a dificuldade do BNDES lidar com o conceito de inovação. Existe uma concepção tão restrita de inovação que nada é inovação.
O Brasil Maior: O entrevistado entende que existe uma linha de pensamento que liga o Brasil Maior à PITCE e a PDP, apesar de talvez isso não estar tão explícito. O Brasil Maior traz de novo uma ênfase em inovação. O fato do Aloizio Mercadante, que é um nome de peso do governo, estar a frente do Ministério da Ciência e Tecnologia, bem como o Glauco Arbix, na FINEP, dá indicações no sentido de uma maior ênfase em inovação. O que é importante verificar quando se avalia o Brasil Maior é que hoje não é mais possível fazer uma política industrial radical, do tipo “fechar mercado”, controlar o câmbio totalmente, etc. Um ganho importante vem no sentido de valorizar a indústria nacional, uma vez que as multinacionais não vão fazer desenvolvimento aqui. Quem vai fazer isso são os grandes grupos empresariais nacionais, por isso é preciso cria-los, fortalece-los e consolidá-los.
A Relação entre Estado e Mercado: Segundo o entrevistado, o Estado faz parte do Mercado, porque ele regula o Mercado. Sem arcabouço institucional não existe mercado e quem dá esse arcabouço e garante a sua efetividade é o Estado. Assim, quando o Estado emite títulos da dívida pública ou regula o juros ou mexe no câmbio, o Estado está dando o tom do Mercado. Outra coisa é que os interesses escusos não estão só nos funcionários do Estado. Existe corrupção em todo lugar, nos empresários, etc. Neste caso, o entrevistado prefere ficar com a imagem de um Estado que tem funcionários com grande autonomia e com grande responsabilidade. Nesse sentido, em algumas circunstâncias, é melhor você deixar o Estado atuar de forma mais livre e cobrar mais resultado. Por fim, o governo que assume o Estado deve ter uma linha. Não que ele seja monolítico, mas ele deve saber para onde ele está indo. Nesse sentido, até para as discussões nas câmaras de políticas públicas, o governo precisa ir preparado, porque se não a dispersão de interesses vai imobilizar qualquer esforço de discussão. Assim , o governo para operar precisa ter uma direção. Certa ou errada, vai se ver no futuro. Mas sem isso, não dá sequer para começar.

Acesse o video com alguns trechos da entrevista feita com o professo Mário Salerno:


Acesse o audio da entrevista na íntegra: