O colega de mestrado Flávio Novaes, comentando o resumo aqui publicado do livro "Chutando a Escada", de Ha-Joon Chang, falou da contradição apontada por ele entre o discurso do neoliberalismo e seu Estado Mínimo e a prática de intervenção dos Estados ditos "neoliberais" (EUA e companhia) na economia. Na resposta dada, acabei resumindo vários pontos e autores fundamentais para a minha pesquisa, que acho que vale a pena colocar aqui por ser quase um resumo dela:
"Valeu pelo comentário e pela troca de idéias. Por incrível que pareça, a primeira vez que vi essa contraposição entre o discurso neoliberal de Estado Mínimo, etc, e a atuação dos Estados nacionais de apoio às grandes empresas nacionais (multinacionais só no nome) foi num comentário do ex-socialista Manuel Castels no Dicionário de Economia de Paulo Sandroni.
Na verdade, esse discurso neoliberal só teve hegemonia mesmo nos anos 1980, pois já na década seguinte, além dos escritores de esquerda (Atilio Boron, Perry Anderson, Goran Therborn, etc), mesmo escritores ligados aos mainstream (Joseph Stiglitz é o mais representativo dessa mudança) e instituições como o Banco Mundial (principalmente nos reports de 1993, sobre a Ásia, e de 1997, sobre o papel do Estado na economia mundial) já demonstravam um afastamento de um neoliberalismo mais radical. A sobrevivência do discurso por mais uma década decorreu exclusivamente da queda do socialismo real no triênio 1989/1991.
Considero o Chang fundamental para entender essa mudança de posição, pois junto com o Peter Evans, o Dani Rodrik, a Alice Amsden, o Geoffrey Hodgson (trabalhando em cima do trabalho que caras como Karl Polanyi, Joseph Schumpeter, Albert Hirschman, etc fizeram) e outros pensadores de tez mais institucionalista, contrários ao neoclassicismo, ele tem demonstrado que o discurso neoliberal, além de falso em essencial, é cheio de contradiçoes internas. A que mais me chamou atenção foi a tentativa de unir a economia neoclássica de caras como Alfred Marshal, John Clark Bates e Vilfredo Pareto com o discurso do libertarismo austríaco de Friedrich von Hayek. Sempre achei que Hayek fosse um neoliberal de carteirinha, principalmente por aquela história que nos contam pela metade sobre a Sociedade de Mont Pelerin e o nascimento do neoliberalismo, na década de 1940. Não entendia como um cara como Karl Popper (que admirava pelo seu trabalho filosofico e pela obra "A Sociedade Aberta e seus Inimigos" - apesar de achar estranho que um cara como George Soros, megaespeculador mundial, use-o sempre como referência para os seus livros sobre o captalismo) tinha se juntado com o Hayek, que eu colocava no mesmo pacote que o Milton Friedman (esse sim um bom sacana!). Porém, Chang faz uma leitura bastante positiva de Hayek, destacando principalmente as suas críticas contra a economia neoclássica. Passei a ler em outras obras que Hayek tinha uma visão mais profunda e crítica sobre o funcionamento da economia. Ainda que não concorde com ele, não o coloco mais no mesmo barco que o Friedman (algo semelhante aconteceu com o Adam Smith, que também sempre vi pelo lado de pai do liberalismo e criador da mitologia da "mão invisível", mas que também tinha uma visão mais ampla, dissertando sobre os sentimentos morais antes de escrever sobre a riqueza das nações e apontando a "mão invisível" apenas nas condições de um mercado ideal - grande número de competidores e mercado consumidor informado - condições completamente distintas do sistema oligopolizante e altamente complexo que é o capitalismo moderno).
O problema na superação do neoliberalismo enquanto ideologia econômica dominante (e, em algum aspecto, continua dominante, pois o The Economist fez um debate agora propondo como alternativa o chamado "Capitalismo de Estado" - cujo nome acho até errado, pois já houve um "capitalismo de estado", com outros nomes como Keynesianismo, Desenvovimentismo, Welfare State, mas que significavam todos intervenções do Estado na Economia - e não estou falando nem em economia planificada estilo socialista - e a tese foi derrotada pelos leitores. Apesar de conhecer o foco conservador da publicação, achava que a sitação da Crise de 2008 e os argumentos do Aldo Mussachio - que está escrevendo um livro com nosso Sergio Lazzarini sobre Capitalismo de Estado no mundo - levariam à vitoria da tese, que é a mesma que defendo na minha dissertação) é a ausência de uma alternativa ideológica que una (de forma mais coerente do que o neoliberalismo) ferramental metodológico consistente e discurso mobilizante teoricamente fundamentado. Chang tenta fazer isso com a proposta da Economia Política Institucionalista, que se propõe a fazer uma releitura do Mercado, do Estado e da Política em base diametralmente opostas ao do neoliberalismo: o mercado não possui racionalidade lógica, pois é uma construção política intrinsecamente conflituoso e sujeita às mesmas pressões de interesse aos quais os neoliberais acusam o Estado de se sujeitar; o Estado não só é necessário para criar o mercado original (entendido como sistema de trocas regulado. Se se quer forçar a barra para dizer que mercado e escambo são a mesma coisa, é possível forçar a barra também para dizer que o conjunto de regras de troca simples, que também existiam, era uma espécie de Estado "informal") como é responsável pela sua manutenção e por alguns dos seus principais avanços (a Era do Ouro do Capitalismo - 1945/1970 é resultado de fortes intervenções, tanto do New Deal americano, do Welfare State europeu e do desenvolvimentismo nos países em desenvolvimento da América do Sul e da Ásia.), não sendo "o repositório de todos os pecados" como faz crer os neoliberais, ainda que se reconheça que os Estado tem falhas, como também as tem o mercado; por fim, a Política não é um ambiente ocupado apenas pelo indivíduo típico construído pela economia neoclássica e abraçado pelo neoliberalismo, ou seja, o indivíduo movido exclusivamente pelo auto-interesse, pelo oportunismo egoísta e que a cada decisão faz apenas uma avaliação de custo-benefício para maximizar sua função-utilidade (para usar um termo caro ao Utilitarista Jeremy Bentham), mas sim é capaz de hospedar diversos comportamentos somente explicáveis por critérios não-mercadológicos (está se falando aqui de Política, que inclui a política partidária, mas não se esgota nela). Questões consideradas como "devaneios ingênuos" pelos neoliberais, contratualistas, utilitaristas, economistas neoclássicos (e vinculados à NEI, que tem raízes no Institucionalismo Original, de Veblen, Mitchel e Commons, mas apega-se ao individualismo metodologico dos neoclássicos, princípio que gerou a crítica dos institucionalistas originais) como ética, valores públicos, interesse coletivo, orgulho cívico e outros elementos que podemos enquadrar dentro das "virtudes republicanas", são valorizados por autores como Chang, Evans, Rodrik e Hodgson (para não falar dos neo-republicanistas que venho estudando - Pocock, Skinner, Pettit, Bignotto, etc - e que pretendo linkar com a Economia Política Institucionalista de Chang na avaliação das condições de um Estado Neodesenvolvimentista - porque os limites impostos pelo patrimonialismo já foram comprovados pela minha avaliação da Política Industrial através da Public Policy Analysis; ou seja, existe uma "agenda oficial" desenvolvimentista da PI, focada em inovação, tecnologia, e existe a "agenda oculta" patrimonialista, focada nos mesmos velhos setores primário-exportadores de sempre e nas relações informais entre políticos e grandes empresários - retratadas por Lazzarini, no livro "Capitalismo de Laços", que também tem uma resenha no blog - materializadas nas pouco explicadas "escolhas de campeãs nacionais" do BNDES).
Forte abraço e vamos continuar essa troca de idéias!!"