segunda-feira, 4 de julho de 2011

Debate do The Economist - Necessidade de uma Base de Manufatura para a Economia

O The Economist, um dos mais famosos jornais de economia do mundo (e que eu acompanho sempre), faz constantemente debates onde alguns dos principais pensadores da atualidade lançam uma assertiva, que é rebatida por um outro pensador do mesmo quilate, deixando a possibilidade de seus leitores não só votarem se concordam ou não com a assertiva como também de comentarem os argumentos do proponente e do opositor. E o debate tem vários "rounds", dando a oportunidade dos argumentos serem rebatidos e reavaliados ao longo do mês.

O atual debate tem a sua assertiva proposta por Ha-Joon Chang, uma das minhas principais influências na dissertação. A sua proposta é "Uma boa base de manufatura é o principal daterminante do sucesso de uma economia nacional". Contra essa assertiva, se coloca um nome de peso: Jagdish Bhagwati, autor do livro "Em Defesa da Globalização". Como se pode imaginar, não se poderia encontrar dois nomes mais contrários em suas posições.

Como sempre visito o The Economist, como discuto política industrial e como sigo o Chang onde ele estiver, não poderia deixar de participar desse debate. Abaixo segue o link para o debate, o principais pontos levantados no primeiro round e a minha humilde contribuição:
http://www.economist.com/debate/debates/overview/207

Introdução do mediador: Patrick Lane

1. Tema antigo, que voltou a tona após a crise econômica de 2008;
2. Tragédia anunciada pela ênfase atual nas finanças e não na indústria. São exemplos da ênfase em finanças os EUA e a Inglaterra (seriamente atingidas pela crise) e como exemplos de ênfase em indústria a Alemanha e a China (mais capazes de suportar a crise);
3. Como argumentação contrária, dá-se exemplo do Japão (ênfase em indústria, mas estagnado há 20 anos) e da Índia (que cresce com foco em serviços e não em produção);
4. Numa perspectiva mais ampla do que os anos marcados pela crise de 2008, o crescimento econômico era demarcado justamente pela participação cada vez maior dos serviços e menor da indústria no PIB, e isso vinha mostrando bons resultados. Além disso, hoje as pessoas não compram só os produtos em si, mas tudo que envolve esse produto, inclusive os serviços vinculados a ele. Assim, manufatura e serviços não são substitutos e sim complementos;]

Pro-Manufatura – Ha-Joon Chang
1. O tamanho e a competitividade da base produtiva é o maior determinante da prosperidade de um país;
2. Se Suíça e Singapura são citados como países que cresceram com base nos serviços, Chang mostra que os dois são países com altas taxas de valor agregado de manufatura per capita. Já um país como a Austrália de fato é desenvolvido, porém graças aos seus vastos recursos naturais, o que não é um atributo de todos os países. Para esses, que são a maioria, uma base de manufatura substancial e produtiva é condição necessária para um bom padrão de vida.
3. A possibilidade do desenvolvimento da economia levar a uma economia pós-industrial ou desindustrializada refere-se apenas a diminuição da força de trabalho empregada na manufatura. Mesmo nos países mais desenvolvidos, a produção e o consumo continuam fortemente baseados na manufatura.
4. Se os dados de gastos apontam para um maior gasto com serviços é devido ao aumento dos preços desses em relação à diminuição, pelos avanços de produtividade, dos preços dos manufaturados.
5. Muitos dos serviços que estão em crescimento, aumentando o peso desse setor na economia, na verdade tem como principal consumidor empresas manufatureiras. Portanto, o seu crescimento não reflete uma superação da base manufatureira, mas sim a vitalidade desta base.
6. No caso dos serviços financeiros, o crescimento desse setor foi feito com base em inovações que, mais do que diminuir, escondem os riscos do mercado, o que se pode verificar no desfecho que levou à crise de 2008. Inclusive, a crise tem como conseqüência reduzir a taxa de crescimento do setor financeiro.
7. Se considerarmos que a desindustrialização é resultado de um setor de serviços mais dinâmico (que tire investimentos do setor industrial, mas em prol de uma rentabilidade maior no setor de serviços), isso não necessariamente significará uma coisa boa para o país, uma vez que os serviços que estariam alimentando esse crescimento não são, em sua maioria, exportáveis e assim o país poderia ter problemas na sua balança de pagamentos, em função da falta de divisas para a balancear as importações de uma economia em ascensão;
8. Mesmo alguns serviços exportáveis de alto nível, como os serviços bancários prestados por Inglaterra e Estados Unidos não conseguem representar uma fatia maior do que o déficit de importação de manufaturados desses países.
9. Além disso, uma base manufatureira forte permite a vários serviços ligados ao setor produtivo (engenharia, design, etc) um estímulo também para o seu avanço. Por via inversa, um enfraquecimento da base manufatureira provoca um enfraquecimento dos serviços exportáveis ligados a essa base.
10. Finalmente, não se trata de uma visão onde a manufatura é boa e os serviços são maus, mas sim de reconhecer que a manufatura vem sendo desvalorizada atualmente, apesar ser ter sido a base do desenvolvimento material da humanidade e de, ao que tudo indica, continuar nessa posição por u bom tempo.

Contra-Manufatura – Jagdish Bhagwati
1. Coube a Bill Emmot chamar de “fetiche da manufatura” o entendimento de que se você não fabrica alguma coisa que você pode cair no seu pé, então não vale a pena fabricá-las.
2. Esse entendimento tem um pedigree famoso: Adam Smith condena o trabalho de músicos, artistas, etc em favor do trabalho produtivo (ainda que numa fábrica de alfinetes).
3. Outro defensor da importância crucial da manufatura foi Kaldor, que alertava para os perigos da desindustrialização da Inglaterra nos anos 60.
4. Mais recentemente (1987), John Zysman e Stephen Cohen também defenderam a tese de que “a manufatura importa”.
5. Por fim, o último fôlego do fetiche da manufatura veio após a crise financeira de 2008, onde os serviços fora taxados de “vilões” da história e a manufatura seria a grande rendentora.
6. Duas questões são colocadas contra esse fetiche da manufatura: 1) os serviços podem ser inovadores também (pesquisas como a de Dale Jorgenson, de Harvard, provam que o varejo é o setor que mais progride na economia); 2) a manufatura já é fortemente apoiada, com subsídios, financiamentos e uma luta entre os estados para atrair fábricas. Nada disso é feito para o setor de serviços. Assim, para que ainda mais apoio para um setor já tão apoiado?

Minha contribuição:
"Dear House,

Congratulations for the debate's initiative. It’s a very important question, with experts in both sides. Dr. Chang has a major influence in my actual research about brazilian Industrial Policy during the Lula’s first years. The Bhagwati's book, “In Defense of Globalization” (2004), is a brave speech against the tide of anti-globalism. At the first round, I had to agree with Mr. Chang about the need of a manufacturing base to a sucessful country. Despite the exceptions (Australia, Japan, etc) that only prove the rule, the importance of “make things that you can touch” has been hidden by the digital economy, virtual money or any other funny name that we can give to numerics tricks like derivatives and other gifts from Pandora’s box. Brazil’s economy (that was pointed as “overheated” in recent article at this journal) could be put in the same category of Australia in terms of wealth of resources. But without a manufacturing base, these resources will continue to be used much more to make rich countries even more richer than us. The actual wave of demand from China became the agribusiness and commodities traders much more stronger than never. This strength, if can’t stop the public policies (after 20 years, a new Industrial Policy was launched by president Lula), can redirect its practical effects. So, public investiments continues concentrated on industries like mining (Vale), foods (BRF) and even supermarkets (the new R$ 4 billions' project envolving the fusion between Pão de Açucar and Carrefour), while the strategic sectors pointed by the new industrial policy (software, semiconductors, remedies and machinery) still is only on paper. Switch the main economic engine of any country is a hard task in any circunstances. When we are talking about one of the largest economies in the world and one of the hottest at the moment (perhaps “overheated”, like said the cited article above), the task become even more difficult. Like we uses to say “is necessary to change the tire with the car running”. To keep position on world economy, and most important, to avoid the inertia of a economy on natural resources, Brazil needs to increase and diversify its manufacturing base, following the Chang’s arguments."

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