Como primeiro resultado do curso que inicio no próximo dia 04/01/2012 (Institutions and Governance for International Development - Parceria da UFBA/NPGA com a New York University - NYU), segue texto sobre o livro "Chutando a Escada", de Ha-Joon Chang. Já citei Chang várias vezes aqui no blog, sendo um dos meus atores preferidos dentro da minha pesquisa de mestrado, uma vez que trabalha essencialmente a política industrial dentro de um viés institucionalista (aplicando o seu conceito de Economia Política Institucionalista, bem diferente da Nova Economia Institucional, de Coase, Williamson e North). O que não impede algumas discordância pontuadas em vermelho no resumo que preparei do texto, que segue no link abaixo. Mas quem viu a resenha do livro de Lazzarini, que também postei aqui no blog, sabe que admirar o autor não significa acatar tudo que vem dele. O mais interessante mesmo é o debate de ideias.
Abaixo segue o texto elaborado para o curso. O resumo completo do livro está disponível no seguinte link:
http://www.4shared.com/office/j-5CSCU7/ResumoHa-Joon_Chang_Chutando_a.html
RESENHA: CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
O AUTOR
Ha-Joon Chang nasceu em Seoul, Coréia do Sul, em 1963. Formou-se em Economia pela Universidade Nacional de Seoul, na Coréia do Sul. Conseguiu seu mestrado e doutorado em Economia na Universidade de Cambridge (Inglaterra). Desde então, tem ensinado economia em Cambridge. Além das atividades acadêmicas, atuou como consultor para várias agências internacionais (ONU, Banco Mundial) e para vários países, como Canadá, Japão e Venezuela, sempre na área de Políticas de Desenvolvimento. Vem também publicando e editando, individualmente ou em conjunto, vários livros sobre a temática do desenvolvimento, tendo recebido em 2003 o Prêmio Gunnar Myrdal pelo livro “Chutando a Escada”.
A RESENHA
A presente resenha busca discutir quatro questões: O que é Desenvolvimento? Que variáveis promovem o Desenvolvimento? Como essas variáveis podem ser manipuladas para induzirem o desenvolvimento? Qual o papel da política nessa indução? Antes de prosseguir, um esclarecimento quanto aos tópicos originais propostos para esta resenha. Nos tópicos originais havia certa intercambialidade entre os termos “desenvolvimento” e “riqueza” (ver perguntas originais 1 e 2). Acreditamos que essa intercambialidade é, se não errada, pelo menos problemática. Existe toda uma literatura que busca discutir o conceito de desenvolvimento para além de parâmetros econômico como taxa de crescimento do Produto Interno Bruto ou Renda Per Capita. Assim, a grande questão é “O que é Desenvolvimento?”, sendo a riqueza uma das suas condições necessárias, mas não sua condição suficiente.
Respondendo a primeira questão, porém, a sinonímia citada, com a qual discordamos, é acolhida pelo autor em apreço. Em diversas passagens, o autor associa desenvolvimento com avanço industrial, com o alcance da vanguarda tecnológica e, em pelo menos uma oportunidade, ele considera literalmente a renda per capita como o definidor do nível de desenvolvimento. (p. 201, edição brasileira). Considerando que Chang é um dos autores-chave na nossa atual pesquisa de mestrado, esse estudo mais detalhado da sua mais conhecida obra nos surpreendeu com uma visão tão pragmática do desenvolvimento, principalmente partindo de alguém declaradamente admirador do Institucionalismo Original de Veblen, Mitchell e Commons e alinhado com nomes notoriamente revolucionários como Karl Marx e Karl Polanyi. Antes, porém, de expressar qualquer frustração com essa descoberta, não ignoramos o contexto em que o autor trabalha no presente texto. Discutindo a chamada “receita universal para o desenvolvimento” expressa pela ortodoxia econômica através do Consenso de Washington (CW), formulado por John Williamson, não cabia ao autor filosofar sobre uma concepção idealizada de desenvolvimento. Dai utilizar um conceito compreensível por essa ortodoxia (a renda per capita) para questioná-la em seus próprios termos.
A discussão da “receita” exposta no CW nos leva ao nosso segundo tópico: quais as causas do desenvolvimento? Nessa discussão, o autor assume toda a sua herança institucionalista, uma vez que faz coro com a ortodoxia econômica ao reafirmar o papel das instituições na geração do desenvolvimento. Aqui cabe outra surpresa do texto: a surpreendente tese do autor, razoavelmente comprovada, de que as praticas condenadas hoje pelos países desenvolvidos, marcadamente as políticas estatais intervencionistas, foram as mesmas usadas por eles no início do seu processo de desenvolvimento. Considerando tanto a condenação mais ampla do papel do Estado feita por neoliberais como Milton Friedman quanto a crítica mais direcionada de autores da Escola da Escolha Pública (Buchanan, Tulock, Tollison), não deixa de ser surpreendente o papel que esse mesmo Estado teve (e continua a ter, na visão de Rodrik e Stiglitz, além do próprio Chang) no desenvolvimento dos seus países de origem. Outra questão que remete ao debate sobre as causas do desenvolvimento é a que envolve a visão do CW e da CEPAL dessas causas. Enquanto o CW, de viés liberal, apostava todas as fichas nas instituições, a CEPAL, de viés marxista, apostava todas as fichas nas mudanças estruturais da economia. Ao cômputo final, os dois saíram frustrados. Assim, o autor aceita a importância das instituições do CW, mas condiciona o seu sucesso a outros aspectos mais “estruturais”. Daí as divergências do autor com a “receita universal do CW” terem mais a ver com o seu adjetivo (“universal”) do que com o substantivo (“receita”), já que as “instituições de boa governança” variam para cada país. Além disso, o “tempo de cozimento” da receita, que não deve ser tão rápido como querem os partidários da ortodoxia econômica.
Assim, percebe-se que as causas do desenvolvimento podem estar perfeitamente contidas nas “instituições de boa governança”, desde que elas sejam adequadamente manipuladas, o que nos leva ao nosso terceiro tópico. Para o autor, ao lado de instituições voltadas para o desenvolvimento, deve haver políticas voltadas para o desenvolvimento. Chang distingue instituições e políticas pela maleabilidade. Já que as instituições são mais fixas, caberia às políticas potencializar seu impacto positivo sobre o desenvolvimento. De acordo com Chang, os países mais bem sucedidos seriam justamente aqueles que conseguem adaptar melhor suas políticas às mudanças globais, uma vez que seriam as políticas industriais, comerciais e tecnológicas (mais do que as instituições em si) que separam os países desenvolvidos daqueles em desenvolvimento. Como se vê, as “políticas” tem razoável peso no mecanismo de desenvolvimento proposto por Chang. Cabe perguntar, então, se a “Política” também tem.
Aqui fechamos o ciclo que remete a uma eventual deficiência o autor na fundamentação teórica do mecanismo de desenvolvimento proposto. Da mesma forma que aludimos ao seu pragmatismo ao definir “desenvolvimento”, o mesmo pode ser dito quanto à sua abordagem do papel da Política no desenvolvimento. Fazendo pouca referência ao único termo do campo da filosofia política trazido ao texto (“democracia”), o autor optar metodologicamente em enfatizar muito mais o papel das “políticas” do que da “Política” no processo de desenvolvimento, numa linha semelhante a do seu eventual co-autor Peter Evans (“Tríplice Aliança” e “Autonomia e Parceria”). Tal escolha, voltamos a afirmar, é mais metodológica do que ideológica, haja vista o autor debruçar-se com muito mais vigor sobre temas eminentemente políticos, como o papel do Estado, na primeira parte de uma outra obra sua (Globalisation, Economic Development and the Role of the State).
Este espaço foi criado em função do processo de elaboração da minha dissertação de mestrado, entitulada: "Condições e Limites do Neodesenvolvimentismo no Brasil: um olhar a partir da Política Industrial da Era Lula (2003-2010)." Assim, criei o NBR como um espaço mais amplo para as discussões sobre as estratégias de desenvolvimento do país. Sejam bem vindos!
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
O Pós-Consenso de Washington - artigo de Francis Fukuyama
Finalmente consegui manter uma proximidade entre um post e outro de menos de três meses. Na verdade, o artigo que resumirei abaixo já tinha me chamado atenção antes mesmo do assunto do último post (o reconhecimento da atual administração Obama das ideias de Hamilton acerca da necessidade de apoio às manufataturas, refletida no novo programa de apoio à indústria do governo americano). Trata-se de uma avaliação pós-crise financeira de 2008-2009 (que até hoje reverbera, haja vista o efeito dominó Grécia - Itália - ...) do chamado "Consenso de Washington", expressão criada pelo economista John Williamson na década de 1980 para resumir o receituário dos países desenvolvidos para resolver os problemas econômicos de então: queda da taxa de crescimento da economia, crise inflacionária na América Latina, etc. O receituário basicamente dizia respeito à diminuição do papel do Estado e, consequentemente, dar maior liberdade ao funcionamento do mercado. No artigo publicado pela Foreing Affairs de Março/Abril de 2011, Francis Fukuyama (mundialmente conhecido pelo livro: O Fim da História e o Último Homem) e Nancy Birdsall revêm os principais conceitos por trás do consenso (burocracia estatal corrupta, eficiência X gasto social, política industrial eminetemente interesseira, etc) à luz da crise de 2008, contrapondo o modelo americano de política de desenvovimento orientada pelo mercado com o que vinha sendo feito na Ásia desde os anos 1980 e com o que tem sido feito pelos países emergentes nos anos 2000 (com especial destaque para o Brasil, citado várias vezes pelos autores como exemplo de políticas diferentes daquelas do modelo americano e com bons resultados).
O artigo original está no seguinte link:
Abaixo segue o resumo dos seus principais pontos. Para o debate da nossa dissertação, em torno da política industrial, as considerações dos autores sobre esse tema e sobre os riscos da sua implementação nos países em desenvolvimento (burocracias interesseiras) são sumamente importantes:
1. A Grande Depressão de 1929 mudou não só a economia, mas a política, que deu um giro de 180 graus, indo do laissez faire para o keynesianismo. E abrigou várias críticas anti-liberais por parte dos países em desenvolvimento.
2. Na crise de 2009, pelo contrário, os países em desenvolvimento reafirmaram a sua confiança nos mercado, estabelecendo que não optariam por uma solução “socialista”. Os países desenvolvidos, por sua vez, é que criticaram o mercado e propuseram maior regulamentação sobre ele.
3. As causas para essa reação dos países emergentes são duas: primeiro, a atuação dos Estados Unidos, uma vez que muitos concordariam com a frase de Lula de que a culpa da crise é de quem tem os olhos azuis. Assim, a crítica ao neo-liberalismo se fazia contra os países desenvolvidos, uma vez que os países em desenvolvimento consideravam que não haviam adotado plenamente esse modelo. Em segundo lugar, depois da crise de 1990 da Ásia e da América Latina, os países em desenvolvimento adotaram um modelo de blindagem em relação aos fluxos de capitais estrangeiros e acumularam reservas.
4. Na próxima década, os países emergentes e os países pobres estarão focados muito menos nos fluxos de capitais do livre comércio e mais em resolver suas questões sociais e criar políticas públicas de apoio a suas indústrias.
5. Uma das questões centrais do mundo pré-crise de 2008 era o que o economista indiano Subramanian chamada de “fetiche do capital externo”, onde se tomava como certa a idéia de que os países em desenvolvimento se beneficiariam da entrada de capital intensificada pela liberdade de fluxo financeiro global. É preciso relativizar essa compreensão tendo em mente a diferença entre o crescimento do setor financeiro e o cresscimento da economia real.
6. Com a crise de 2008, os americanos e britânicos aprenderam o que os asiáticos aprenderam na década de 1990: mercado de capital aberto e desregulamentação do setor financeiro é a receita de um desastre eminente. Os países desenvolvidos, após a crise asiática, até reduziram seu ímpeto da liberalização imediata do mercado de capitais e passaram a falar numa liberalização sequenciada, onde, primeiro, deveriam ser criados os controles da movimentação de capital para só depois este ser liberado. Porém, além de desconsiderarem o fato de que os países poderiam não ter habilidade para aplicar tais controles e de que nem os países desenvolvidos sabiam como deveria ser um sistema de controle de capitais ideal, eles não aplicaram essa compreensão em seus próprios países, haja vista o mundo subterrâneo da desregulamentação financeira que se formava nos Estados Unidos. A primeira consequência da crise de 2008 foi o fim do fetiche do capital externo, haja vista o impacto que a crise teve nos países que se especializaram em atrair capital volátil, como Islândia e Irlanda, cujas altas taxas de crescimento se provaram miragens feitas de capital volátil.
7. A segunda consequência da crise de 2008 foi o respeito que passaram a ter os países em desenvolvimento com relação às políticas sociais. Com o neoliberalismo de Reagan e Tatcher, tais políticas foram cortadas em nome da maior eficiência econômica. Com relação à presente crise, a forma como a Europa reagiu acabou sendo muito melhor do que a dos Estados Unidos, graças ao impacto anti-cíclico que tem os seus programas sociais, no sentido de garantir um mínimo para os desempregados e permitindo que eles se recuperem, o que não ocorre nos Estados Unidos, tornando o modelo americano ainda mais criticado no mundo. China, Brasil e México são citados como exemplos de países que se voltaram mais para as políticas sociais recentemente, com bons resultados. A grande pergunta é se esses países emergentes terão condições de suportar tais programas sociais em um contexto de envelhecimento das suas populações, o que não foi possível, por exemplo, na Europa.
8. A terceira consequência da crise foi o nascimento de um novo debate em torno da política industrial. Tendo sido riscadas do mapa como falhas nas décadas de 1980 e 1990, as políticas indústrias voltaram à cena como uma resposta eficiente à crise, mostrando que os tecnocratas do governo podem comandar um envolvimento eficiente do Estado na economia. Novamente, China e Brasil são citados como exemplos nesse sentido, através do uso de bancos públicos para garantir crédito fácil e outras vantagens para as indústrias locais. Essa nova política industrial não trataria, no entanto, de escolher campeões ou provocar grandes mudanças produtivas. Trata-se muito mais de promover a coordenação para a resolução de gargalos e riscos que inibem a ação da iniciativa privada.
9. A partir dessa constatação, é possível falar que o modelo americano de capitalismo de livre comércio será abandonado e que o Estado poderá a ter um papel de protagonista no processo de desenvolvimento? Depende da capacidade do Estado e da sua governança. O problema é que a principal falha das políticas industriais de antigamente era política e não econômica. Assim, as políticas de substituição de importações que ocorreram tanto na Europa Oriental quanto na América Latina nas décadas de 1950 e 1960 trouxeram bons resultados, mas, na América Latina, graças às pressões políticas, o protecionismo que deveria proteger as empresas nascentes acabaram garantindo vantagens a empresas maduras que, como estavam protegidas da competição internacional, tornaram-se incompetentes globalmente. O peso maior para saber se um país é capaz de fazer uma política industrial sem cometer os erros do passado recai sobre sua tecnocracia burocrática. Se esta for forte o suficiente para tomar decisões difíceis e se proteger das pressões políticas, como no caso dos países asiáticos, que tem uma tradição de burocracias tecnocráticas fortes, tudo bem. Caso contrário, o uso das políticas industriais deve ser mais cuidadoso.
10. O que a crise mostrou foi que, mesmo nos países desenvolvidos, suas burocracias, refletidas nos seus sistemas de controles de fluxos financeiros, não foram capazes de deter o ímpeto dos mercados. Por outro lado, o exercício autocrático do poder na China, que aplica suas políticas industriais de cima para baixo, sem passar pelo tumulto da discussão democrática, também não é válido, pois existem autocracias que nem tem o nível de crescimento da China. É preciso observar, então, porque os países em desenvolvimento não conseguem melhorar seus setores públicos para que o Estado assuma esse papel protagônico. Primeiro, porque sua burocracia serve a uma classe política que é interesseira e movida por interesses próprios. Segundo, porque instituições efetivas refletem mais do que decisões legais e políticas, mas sim um contexto social e cultural que dê suporte a essa efetividade na busca do interesse público. Finalmente, a efetividade dessas instituições precisa de um claro senso de identidade nacional e de interesse público. Sem isso, os indivíduos terão muito mais lealdade com o seu grupo étnico ou com sua rede patrimonialista do que com o interesse público.
11. A tendência que a crise de 2008 exacerbou no sentido do fim de uma liderança financeira americana e de um mundo mais multipolar na verdade começou logo após a Segunda Guerra Mundial, com a criação das instituições de Bretton Woods (Banco Mundial, FMI) e as posteriores e sucessivas críticas e pressões sobre essas instituições e a necessidade de renová-las, bem como instituições informais como o G7, que tem que incorporar outras lideranças econômicas globais, como China e Brasil. Uma mostra disso foi a importância que teve a reunião do G20, incluindo essas novas potenciais econômicas. Além disso, instituições tradicionais como o FMI, que estavam perdendo espaço e ficando obsoletas, com o mercado privado de capitais oferecendo empréstimos aos países em condições melhores do que as do FMI, o que o tornava sem muita função, foram prestigiadas com apoio financeiro do G20 para financiar a ajuda aos países mais atingidos pela crise de 2008.
12. Assim, mais do que efeitos econômicos e políticos, a crise de 2008 teve efeitos ideológicos, no momento em que reposiciona o centro de difusão do modelo e das práticas políticas. O modelo americano, até então dominante, tem sido cada vez mais substituído pelas práticas dos países emergentes, como os programas de transferência de renda e de política industrial. Países como Estados Unidos e Japão continuaram a ter peso, porém países como Brasil, Índia e África do Sul passaram cada vez mais a serem relevantes nesse jogo.
2. Na crise de 2009, pelo contrário, os países em desenvolvimento reafirmaram a sua confiança nos mercado, estabelecendo que não optariam por uma solução “socialista”. Os países desenvolvidos, por sua vez, é que criticaram o mercado e propuseram maior regulamentação sobre ele.
3. As causas para essa reação dos países emergentes são duas: primeiro, a atuação dos Estados Unidos, uma vez que muitos concordariam com a frase de Lula de que a culpa da crise é de quem tem os olhos azuis. Assim, a crítica ao neo-liberalismo se fazia contra os países desenvolvidos, uma vez que os países em desenvolvimento consideravam que não haviam adotado plenamente esse modelo. Em segundo lugar, depois da crise de 1990 da Ásia e da América Latina, os países em desenvolvimento adotaram um modelo de blindagem em relação aos fluxos de capitais estrangeiros e acumularam reservas.
4. Na próxima década, os países emergentes e os países pobres estarão focados muito menos nos fluxos de capitais do livre comércio e mais em resolver suas questões sociais e criar políticas públicas de apoio a suas indústrias.
5. Uma das questões centrais do mundo pré-crise de 2008 era o que o economista indiano Subramanian chamada de “fetiche do capital externo”, onde se tomava como certa a idéia de que os países em desenvolvimento se beneficiariam da entrada de capital intensificada pela liberdade de fluxo financeiro global. É preciso relativizar essa compreensão tendo em mente a diferença entre o crescimento do setor financeiro e o cresscimento da economia real.
6. Com a crise de 2008, os americanos e britânicos aprenderam o que os asiáticos aprenderam na década de 1990: mercado de capital aberto e desregulamentação do setor financeiro é a receita de um desastre eminente. Os países desenvolvidos, após a crise asiática, até reduziram seu ímpeto da liberalização imediata do mercado de capitais e passaram a falar numa liberalização sequenciada, onde, primeiro, deveriam ser criados os controles da movimentação de capital para só depois este ser liberado. Porém, além de desconsiderarem o fato de que os países poderiam não ter habilidade para aplicar tais controles e de que nem os países desenvolvidos sabiam como deveria ser um sistema de controle de capitais ideal, eles não aplicaram essa compreensão em seus próprios países, haja vista o mundo subterrâneo da desregulamentação financeira que se formava nos Estados Unidos. A primeira consequência da crise de 2008 foi o fim do fetiche do capital externo, haja vista o impacto que a crise teve nos países que se especializaram em atrair capital volátil, como Islândia e Irlanda, cujas altas taxas de crescimento se provaram miragens feitas de capital volátil.
7. A segunda consequência da crise de 2008 foi o respeito que passaram a ter os países em desenvolvimento com relação às políticas sociais. Com o neoliberalismo de Reagan e Tatcher, tais políticas foram cortadas em nome da maior eficiência econômica. Com relação à presente crise, a forma como a Europa reagiu acabou sendo muito melhor do que a dos Estados Unidos, graças ao impacto anti-cíclico que tem os seus programas sociais, no sentido de garantir um mínimo para os desempregados e permitindo que eles se recuperem, o que não ocorre nos Estados Unidos, tornando o modelo americano ainda mais criticado no mundo. China, Brasil e México são citados como exemplos de países que se voltaram mais para as políticas sociais recentemente, com bons resultados. A grande pergunta é se esses países emergentes terão condições de suportar tais programas sociais em um contexto de envelhecimento das suas populações, o que não foi possível, por exemplo, na Europa.
8. A terceira consequência da crise foi o nascimento de um novo debate em torno da política industrial. Tendo sido riscadas do mapa como falhas nas décadas de 1980 e 1990, as políticas indústrias voltaram à cena como uma resposta eficiente à crise, mostrando que os tecnocratas do governo podem comandar um envolvimento eficiente do Estado na economia. Novamente, China e Brasil são citados como exemplos nesse sentido, através do uso de bancos públicos para garantir crédito fácil e outras vantagens para as indústrias locais. Essa nova política industrial não trataria, no entanto, de escolher campeões ou provocar grandes mudanças produtivas. Trata-se muito mais de promover a coordenação para a resolução de gargalos e riscos que inibem a ação da iniciativa privada.
9. A partir dessa constatação, é possível falar que o modelo americano de capitalismo de livre comércio será abandonado e que o Estado poderá a ter um papel de protagonista no processo de desenvolvimento? Depende da capacidade do Estado e da sua governança. O problema é que a principal falha das políticas industriais de antigamente era política e não econômica. Assim, as políticas de substituição de importações que ocorreram tanto na Europa Oriental quanto na América Latina nas décadas de 1950 e 1960 trouxeram bons resultados, mas, na América Latina, graças às pressões políticas, o protecionismo que deveria proteger as empresas nascentes acabaram garantindo vantagens a empresas maduras que, como estavam protegidas da competição internacional, tornaram-se incompetentes globalmente. O peso maior para saber se um país é capaz de fazer uma política industrial sem cometer os erros do passado recai sobre sua tecnocracia burocrática. Se esta for forte o suficiente para tomar decisões difíceis e se proteger das pressões políticas, como no caso dos países asiáticos, que tem uma tradição de burocracias tecnocráticas fortes, tudo bem. Caso contrário, o uso das políticas industriais deve ser mais cuidadoso.
10. O que a crise mostrou foi que, mesmo nos países desenvolvidos, suas burocracias, refletidas nos seus sistemas de controles de fluxos financeiros, não foram capazes de deter o ímpeto dos mercados. Por outro lado, o exercício autocrático do poder na China, que aplica suas políticas industriais de cima para baixo, sem passar pelo tumulto da discussão democrática, também não é válido, pois existem autocracias que nem tem o nível de crescimento da China. É preciso observar, então, porque os países em desenvolvimento não conseguem melhorar seus setores públicos para que o Estado assuma esse papel protagônico. Primeiro, porque sua burocracia serve a uma classe política que é interesseira e movida por interesses próprios. Segundo, porque instituições efetivas refletem mais do que decisões legais e políticas, mas sim um contexto social e cultural que dê suporte a essa efetividade na busca do interesse público. Finalmente, a efetividade dessas instituições precisa de um claro senso de identidade nacional e de interesse público. Sem isso, os indivíduos terão muito mais lealdade com o seu grupo étnico ou com sua rede patrimonialista do que com o interesse público.
11. A tendência que a crise de 2008 exacerbou no sentido do fim de uma liderança financeira americana e de um mundo mais multipolar na verdade começou logo após a Segunda Guerra Mundial, com a criação das instituições de Bretton Woods (Banco Mundial, FMI) e as posteriores e sucessivas críticas e pressões sobre essas instituições e a necessidade de renová-las, bem como instituições informais como o G7, que tem que incorporar outras lideranças econômicas globais, como China e Brasil. Uma mostra disso foi a importância que teve a reunião do G20, incluindo essas novas potenciais econômicas. Além disso, instituições tradicionais como o FMI, que estavam perdendo espaço e ficando obsoletas, com o mercado privado de capitais oferecendo empréstimos aos países em condições melhores do que as do FMI, o que o tornava sem muita função, foram prestigiadas com apoio financeiro do G20 para financiar a ajuda aos países mais atingidos pela crise de 2008.
12. Assim, mais do que efeitos econômicos e políticos, a crise de 2008 teve efeitos ideológicos, no momento em que reposiciona o centro de difusão do modelo e das práticas políticas. O modelo americano, até então dominante, tem sido cada vez mais substituído pelas práticas dos países emergentes, como os programas de transferência de renda e de política industrial. Países como Estados Unidos e Japão continuaram a ter peso, porém países como Brasil, Índia e África do Sul passaram cada vez mais a serem relevantes nesse jogo.
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Retorno, noticias e novidades
Olá novamente. Após mais um longo período de ausência (altamente justificável pelas demandas profissionais, acadêmicas e pessoais), retomamos as atividades do Neoestratégiasbrasil. Nesse breve post de retorno, falou de uma matéria publicada pelo Brookings Institution e também de algumas novidades que em breve (eu espero) estarão aqui.
Sobre a matéria do B.I., de autoria de Bruce Katz e Jessica Lee (do Metropolitan Police Program), o que me chamou atenção foi o chamamento à atualidade das palavras de Alexander Hamilton. Hamilton foi um dos "Pais Fundadores" da América, sendo citado pelo nosso sempre citado Ha-Joon Chang como um dos promotores da atuação do Estado na ajuda da indústria nascente. E fazendo isso nos EUA, que depois defenderam ardentemente o discurso do livre mercado e de que o Estado não precisaria interferir nos desígnios da economia. O link para a matéria é o seguinte:
http://www.brookings.edu/articles/2011/1205_manufacturing_katz_lee.aspx
Os autores lembram que, no final do século XVIII, apenas 15 anos após a independência americana, Hamilton alertou para a necessidade de um setor manufatureiro forte para dinamizar a economia americana. E falava isso contra a opinião de ninguém menos que Thomas Jefferson, outra figura histórica no nascimento da nação, que defendia que a economia americana se estruturasse a partir da atividade agrícola.
Em defesa da sua posição de que o governo deveria apoiar diretamente a indústria, Hamilton sugeria típicas medidas protecionistas, como tarifas restritivas de importação, e incentivos do governo para que os empresários assumissem riscos que, sem tal suporte, seriam insuportáveis. Porém, o mais importante do artigo é vincular o projeto industrialista de Hamilton com o que está sendo feito agora na América. Trata-se do AMP (Advanced Manufacturing Partnership), um programa de parceria entre governo, universidades e empresas lançado pelo presidente Obama em junho deste ano. (segue link para discurso de lançamento do programa: http://www1.eere.energy.gov/industry/amp/ ).
O lançamento desse programa é a afirmação contundente de que, mesmo nos EUA, defensor maior do livre mercado, não se ignora o fato de que a economia não pode andar sozinha. Ela precisa do apoio direto do governo, ainda quando este cria todo um ambiente institucional que favorece a atuação privada. O presidente Obama dá o exemplo da empresa global Google, cujos criadores só tiveram condições de tirarem a sua ideia do papel com a ajuda da National Science Foundation, uma instituição pública de apoio à ciência. Assim, o AMP, comandado por um comitê formado pelo presidente da Dow Chemical, pela presidente do MIT e por assessores presidenciais para ciência e tecnologia, buscará apoiar as iniciativas que colocarão, prevê o presidente Obama, a América no topo da vanguarda tecnológica mundial.
Sem dúvida, essa iniciativa lançada recentemente revigora todo o discurso em torno da necessidade de uma política industrial definida, e calcada na inovação, pedra de toque da economia global na atualidade. Inclusive, reafirma o resultado do debate feito pelo The Economist (ao qual enviamos contribuição, que foi aqui comentada em post anterior) que deu razão aos argumentos defendidos por Ha-Joon Chang contra aqueles levantados por Jagdish Bhagwati. E reforça, por fim, ainda mais a nossa convicção de que o Estado tem ainda um papel preponderante na economia, a despeito de todo o discurso de livre mercado (que, haja vista as dificuldades de aprovação de maiores regulamentações das movimentações financeiras na zona do Euro, capitaneadas pelo Primeiro-Ministro inglês, ainda se mantém vivo, mesmo após o colapso de 2008 que ainda ecoa no centro do capitalismo mundial), e uma das formas de atuação desse papel é através de uma política industrial. Se a política industrial que precisamos é a que temos, que já vai em sua terceira etapa, com o Plano Brasil Maior, isso é o que a nossa pesquisa quer descobrir.
Por fim, algumas novidades que, em breve, espero que estejam aqui. Em recente viagem à São Paulo, para apresentação, em um encontro internacional realizado na FGV, de um trabalho sobre cooperação interorganizacional para o carnaval, escrito com os professores Sandro Cabral e Dale Krane, aproveitei para entrevistar algumas figuras-chaves dessa minha pesquisa. Assim, gravei entrevistas com o ex-Ministro Bresser Pereira (criador do termo novo-desenvolvimentismo, uma das vertentes que estudo na dissertação), com o professor Mário Salerno, da USP (um dos pais da PITCE) e com os professores Wilson Suzigan e João Furtado, ambos da UNICAMP, dois dos principais pesquisadores da política industrial brasileira. Dessas, as três últimas tiveram alguns momentos gravados em video. Assim, dentro em breve espero estar disponibilizando aqui esse material: o audio integral das quatro entrevistas e pequenos videos com alguns destaques das entrevistas com Salerno, Suzigan e Furtado.
Uma última novidade é que, finalmente, após concluir a revisão de um relatório para a SEDUR sobre competências do Estado para o desenvolvimento urbano, foi retomar a escrita da dissertação, tendo como primeira tarefa a conclusão do primeiro capítulo, que fala sobre as minhas três matrizes discursivas: desenvolvimentismo, patrimonialismo e republicanismo. Sobre as duas primeiras, já tinha elaborado material que inclusive já disponibilizei aqui no NBR. Porém, nas últimas semanas iniciei os meus "Estudos Republicanos" e vou iniciar a escrita da terceira matriz. Quando estiver concluído, colocarei aqui no blog.
Espero (como sempre) estar de volta o mais breve possível.
Sobre a matéria do B.I., de autoria de Bruce Katz e Jessica Lee (do Metropolitan Police Program), o que me chamou atenção foi o chamamento à atualidade das palavras de Alexander Hamilton. Hamilton foi um dos "Pais Fundadores" da América, sendo citado pelo nosso sempre citado Ha-Joon Chang como um dos promotores da atuação do Estado na ajuda da indústria nascente. E fazendo isso nos EUA, que depois defenderam ardentemente o discurso do livre mercado e de que o Estado não precisaria interferir nos desígnios da economia. O link para a matéria é o seguinte:
http://www.brookings.edu/articles/2011/1205_manufacturing_katz_lee.aspx
Os autores lembram que, no final do século XVIII, apenas 15 anos após a independência americana, Hamilton alertou para a necessidade de um setor manufatureiro forte para dinamizar a economia americana. E falava isso contra a opinião de ninguém menos que Thomas Jefferson, outra figura histórica no nascimento da nação, que defendia que a economia americana se estruturasse a partir da atividade agrícola.
Em defesa da sua posição de que o governo deveria apoiar diretamente a indústria, Hamilton sugeria típicas medidas protecionistas, como tarifas restritivas de importação, e incentivos do governo para que os empresários assumissem riscos que, sem tal suporte, seriam insuportáveis. Porém, o mais importante do artigo é vincular o projeto industrialista de Hamilton com o que está sendo feito agora na América. Trata-se do AMP (Advanced Manufacturing Partnership), um programa de parceria entre governo, universidades e empresas lançado pelo presidente Obama em junho deste ano. (segue link para discurso de lançamento do programa: http://www1.eere.energy.gov/industry/amp/ ).
O lançamento desse programa é a afirmação contundente de que, mesmo nos EUA, defensor maior do livre mercado, não se ignora o fato de que a economia não pode andar sozinha. Ela precisa do apoio direto do governo, ainda quando este cria todo um ambiente institucional que favorece a atuação privada. O presidente Obama dá o exemplo da empresa global Google, cujos criadores só tiveram condições de tirarem a sua ideia do papel com a ajuda da National Science Foundation, uma instituição pública de apoio à ciência. Assim, o AMP, comandado por um comitê formado pelo presidente da Dow Chemical, pela presidente do MIT e por assessores presidenciais para ciência e tecnologia, buscará apoiar as iniciativas que colocarão, prevê o presidente Obama, a América no topo da vanguarda tecnológica mundial.
Sem dúvida, essa iniciativa lançada recentemente revigora todo o discurso em torno da necessidade de uma política industrial definida, e calcada na inovação, pedra de toque da economia global na atualidade. Inclusive, reafirma o resultado do debate feito pelo The Economist (ao qual enviamos contribuição, que foi aqui comentada em post anterior) que deu razão aos argumentos defendidos por Ha-Joon Chang contra aqueles levantados por Jagdish Bhagwati. E reforça, por fim, ainda mais a nossa convicção de que o Estado tem ainda um papel preponderante na economia, a despeito de todo o discurso de livre mercado (que, haja vista as dificuldades de aprovação de maiores regulamentações das movimentações financeiras na zona do Euro, capitaneadas pelo Primeiro-Ministro inglês, ainda se mantém vivo, mesmo após o colapso de 2008 que ainda ecoa no centro do capitalismo mundial), e uma das formas de atuação desse papel é através de uma política industrial. Se a política industrial que precisamos é a que temos, que já vai em sua terceira etapa, com o Plano Brasil Maior, isso é o que a nossa pesquisa quer descobrir.
Por fim, algumas novidades que, em breve, espero que estejam aqui. Em recente viagem à São Paulo, para apresentação, em um encontro internacional realizado na FGV, de um trabalho sobre cooperação interorganizacional para o carnaval, escrito com os professores Sandro Cabral e Dale Krane, aproveitei para entrevistar algumas figuras-chaves dessa minha pesquisa. Assim, gravei entrevistas com o ex-Ministro Bresser Pereira (criador do termo novo-desenvolvimentismo, uma das vertentes que estudo na dissertação), com o professor Mário Salerno, da USP (um dos pais da PITCE) e com os professores Wilson Suzigan e João Furtado, ambos da UNICAMP, dois dos principais pesquisadores da política industrial brasileira. Dessas, as três últimas tiveram alguns momentos gravados em video. Assim, dentro em breve espero estar disponibilizando aqui esse material: o audio integral das quatro entrevistas e pequenos videos com alguns destaques das entrevistas com Salerno, Suzigan e Furtado.
Uma última novidade é que, finalmente, após concluir a revisão de um relatório para a SEDUR sobre competências do Estado para o desenvolvimento urbano, foi retomar a escrita da dissertação, tendo como primeira tarefa a conclusão do primeiro capítulo, que fala sobre as minhas três matrizes discursivas: desenvolvimentismo, patrimonialismo e republicanismo. Sobre as duas primeiras, já tinha elaborado material que inclusive já disponibilizei aqui no NBR. Porém, nas últimas semanas iniciei os meus "Estudos Republicanos" e vou iniciar a escrita da terceira matriz. Quando estiver concluído, colocarei aqui no blog.
Espero (como sempre) estar de volta o mais breve possível.
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