Finalmente consegui manter uma proximidade entre um post e outro de menos de três meses. Na verdade, o artigo que resumirei abaixo já tinha me chamado atenção antes mesmo do assunto do último post (o reconhecimento da atual administração Obama das ideias de Hamilton acerca da necessidade de apoio às manufataturas, refletida no novo programa de apoio à indústria do governo americano). Trata-se de uma avaliação pós-crise financeira de 2008-2009 (que até hoje reverbera, haja vista o efeito dominó Grécia - Itália - ...) do chamado "Consenso de Washington", expressão criada pelo economista John Williamson na década de 1980 para resumir o receituário dos países desenvolvidos para resolver os problemas econômicos de então: queda da taxa de crescimento da economia, crise inflacionária na América Latina, etc. O receituário basicamente dizia respeito à diminuição do papel do Estado e, consequentemente, dar maior liberdade ao funcionamento do mercado. No artigo publicado pela Foreing Affairs de Março/Abril de 2011, Francis Fukuyama (mundialmente conhecido pelo livro: O Fim da História e o Último Homem) e Nancy Birdsall revêm os principais conceitos por trás do consenso (burocracia estatal corrupta, eficiência X gasto social, política industrial eminetemente interesseira, etc) à luz da crise de 2008, contrapondo o modelo americano de política de desenvovimento orientada pelo mercado com o que vinha sendo feito na Ásia desde os anos 1980 e com o que tem sido feito pelos países emergentes nos anos 2000 (com especial destaque para o Brasil, citado várias vezes pelos autores como exemplo de políticas diferentes daquelas do modelo americano e com bons resultados).
O artigo original está no seguinte link:
Abaixo segue o resumo dos seus principais pontos. Para o debate da nossa dissertação, em torno da política industrial, as considerações dos autores sobre esse tema e sobre os riscos da sua implementação nos países em desenvolvimento (burocracias interesseiras) são sumamente importantes:
1. A Grande Depressão de 1929 mudou não só a economia, mas a política, que deu um giro de 180 graus, indo do laissez faire para o keynesianismo. E abrigou várias críticas anti-liberais por parte dos países em desenvolvimento.
2. Na crise de 2009, pelo contrário, os países em desenvolvimento reafirmaram a sua confiança nos mercado, estabelecendo que não optariam por uma solução “socialista”. Os países desenvolvidos, por sua vez, é que criticaram o mercado e propuseram maior regulamentação sobre ele.
3. As causas para essa reação dos países emergentes são duas: primeiro, a atuação dos Estados Unidos, uma vez que muitos concordariam com a frase de Lula de que a culpa da crise é de quem tem os olhos azuis. Assim, a crítica ao neo-liberalismo se fazia contra os países desenvolvidos, uma vez que os países em desenvolvimento consideravam que não haviam adotado plenamente esse modelo. Em segundo lugar, depois da crise de 1990 da Ásia e da América Latina, os países em desenvolvimento adotaram um modelo de blindagem em relação aos fluxos de capitais estrangeiros e acumularam reservas.
4. Na próxima década, os países emergentes e os países pobres estarão focados muito menos nos fluxos de capitais do livre comércio e mais em resolver suas questões sociais e criar políticas públicas de apoio a suas indústrias.
5. Uma das questões centrais do mundo pré-crise de 2008 era o que o economista indiano Subramanian chamada de “fetiche do capital externo”, onde se tomava como certa a idéia de que os países em desenvolvimento se beneficiariam da entrada de capital intensificada pela liberdade de fluxo financeiro global. É preciso relativizar essa compreensão tendo em mente a diferença entre o crescimento do setor financeiro e o cresscimento da economia real.
6. Com a crise de 2008, os americanos e britânicos aprenderam o que os asiáticos aprenderam na década de 1990: mercado de capital aberto e desregulamentação do setor financeiro é a receita de um desastre eminente. Os países desenvolvidos, após a crise asiática, até reduziram seu ímpeto da liberalização imediata do mercado de capitais e passaram a falar numa liberalização sequenciada, onde, primeiro, deveriam ser criados os controles da movimentação de capital para só depois este ser liberado. Porém, além de desconsiderarem o fato de que os países poderiam não ter habilidade para aplicar tais controles e de que nem os países desenvolvidos sabiam como deveria ser um sistema de controle de capitais ideal, eles não aplicaram essa compreensão em seus próprios países, haja vista o mundo subterrâneo da desregulamentação financeira que se formava nos Estados Unidos. A primeira consequência da crise de 2008 foi o fim do fetiche do capital externo, haja vista o impacto que a crise teve nos países que se especializaram em atrair capital volátil, como Islândia e Irlanda, cujas altas taxas de crescimento se provaram miragens feitas de capital volátil.
7. A segunda consequência da crise de 2008 foi o respeito que passaram a ter os países em desenvolvimento com relação às políticas sociais. Com o neoliberalismo de Reagan e Tatcher, tais políticas foram cortadas em nome da maior eficiência econômica. Com relação à presente crise, a forma como a Europa reagiu acabou sendo muito melhor do que a dos Estados Unidos, graças ao impacto anti-cíclico que tem os seus programas sociais, no sentido de garantir um mínimo para os desempregados e permitindo que eles se recuperem, o que não ocorre nos Estados Unidos, tornando o modelo americano ainda mais criticado no mundo. China, Brasil e México são citados como exemplos de países que se voltaram mais para as políticas sociais recentemente, com bons resultados. A grande pergunta é se esses países emergentes terão condições de suportar tais programas sociais em um contexto de envelhecimento das suas populações, o que não foi possível, por exemplo, na Europa.
8. A terceira consequência da crise foi o nascimento de um novo debate em torno da política industrial. Tendo sido riscadas do mapa como falhas nas décadas de 1980 e 1990, as políticas indústrias voltaram à cena como uma resposta eficiente à crise, mostrando que os tecnocratas do governo podem comandar um envolvimento eficiente do Estado na economia. Novamente, China e Brasil são citados como exemplos nesse sentido, através do uso de bancos públicos para garantir crédito fácil e outras vantagens para as indústrias locais. Essa nova política industrial não trataria, no entanto, de escolher campeões ou provocar grandes mudanças produtivas. Trata-se muito mais de promover a coordenação para a resolução de gargalos e riscos que inibem a ação da iniciativa privada.
9. A partir dessa constatação, é possível falar que o modelo americano de capitalismo de livre comércio será abandonado e que o Estado poderá a ter um papel de protagonista no processo de desenvolvimento? Depende da capacidade do Estado e da sua governança. O problema é que a principal falha das políticas industriais de antigamente era política e não econômica. Assim, as políticas de substituição de importações que ocorreram tanto na Europa Oriental quanto na América Latina nas décadas de 1950 e 1960 trouxeram bons resultados, mas, na América Latina, graças às pressões políticas, o protecionismo que deveria proteger as empresas nascentes acabaram garantindo vantagens a empresas maduras que, como estavam protegidas da competição internacional, tornaram-se incompetentes globalmente. O peso maior para saber se um país é capaz de fazer uma política industrial sem cometer os erros do passado recai sobre sua tecnocracia burocrática. Se esta for forte o suficiente para tomar decisões difíceis e se proteger das pressões políticas, como no caso dos países asiáticos, que tem uma tradição de burocracias tecnocráticas fortes, tudo bem. Caso contrário, o uso das políticas industriais deve ser mais cuidadoso.
10. O que a crise mostrou foi que, mesmo nos países desenvolvidos, suas burocracias, refletidas nos seus sistemas de controles de fluxos financeiros, não foram capazes de deter o ímpeto dos mercados. Por outro lado, o exercício autocrático do poder na China, que aplica suas políticas industriais de cima para baixo, sem passar pelo tumulto da discussão democrática, também não é válido, pois existem autocracias que nem tem o nível de crescimento da China. É preciso observar, então, porque os países em desenvolvimento não conseguem melhorar seus setores públicos para que o Estado assuma esse papel protagônico. Primeiro, porque sua burocracia serve a uma classe política que é interesseira e movida por interesses próprios. Segundo, porque instituições efetivas refletem mais do que decisões legais e políticas, mas sim um contexto social e cultural que dê suporte a essa efetividade na busca do interesse público. Finalmente, a efetividade dessas instituições precisa de um claro senso de identidade nacional e de interesse público. Sem isso, os indivíduos terão muito mais lealdade com o seu grupo étnico ou com sua rede patrimonialista do que com o interesse público.
11. A tendência que a crise de 2008 exacerbou no sentido do fim de uma liderança financeira americana e de um mundo mais multipolar na verdade começou logo após a Segunda Guerra Mundial, com a criação das instituições de Bretton Woods (Banco Mundial, FMI) e as posteriores e sucessivas críticas e pressões sobre essas instituições e a necessidade de renová-las, bem como instituições informais como o G7, que tem que incorporar outras lideranças econômicas globais, como China e Brasil. Uma mostra disso foi a importância que teve a reunião do G20, incluindo essas novas potenciais econômicas. Além disso, instituições tradicionais como o FMI, que estavam perdendo espaço e ficando obsoletas, com o mercado privado de capitais oferecendo empréstimos aos países em condições melhores do que as do FMI, o que o tornava sem muita função, foram prestigiadas com apoio financeiro do G20 para financiar a ajuda aos países mais atingidos pela crise de 2008.
12. Assim, mais do que efeitos econômicos e políticos, a crise de 2008 teve efeitos ideológicos, no momento em que reposiciona o centro de difusão do modelo e das práticas políticas. O modelo americano, até então dominante, tem sido cada vez mais substituído pelas práticas dos países emergentes, como os programas de transferência de renda e de política industrial. Países como Estados Unidos e Japão continuaram a ter peso, porém países como Brasil, Índia e África do Sul passaram cada vez mais a serem relevantes nesse jogo.
2. Na crise de 2009, pelo contrário, os países em desenvolvimento reafirmaram a sua confiança nos mercado, estabelecendo que não optariam por uma solução “socialista”. Os países desenvolvidos, por sua vez, é que criticaram o mercado e propuseram maior regulamentação sobre ele.
3. As causas para essa reação dos países emergentes são duas: primeiro, a atuação dos Estados Unidos, uma vez que muitos concordariam com a frase de Lula de que a culpa da crise é de quem tem os olhos azuis. Assim, a crítica ao neo-liberalismo se fazia contra os países desenvolvidos, uma vez que os países em desenvolvimento consideravam que não haviam adotado plenamente esse modelo. Em segundo lugar, depois da crise de 1990 da Ásia e da América Latina, os países em desenvolvimento adotaram um modelo de blindagem em relação aos fluxos de capitais estrangeiros e acumularam reservas.
4. Na próxima década, os países emergentes e os países pobres estarão focados muito menos nos fluxos de capitais do livre comércio e mais em resolver suas questões sociais e criar políticas públicas de apoio a suas indústrias.
5. Uma das questões centrais do mundo pré-crise de 2008 era o que o economista indiano Subramanian chamada de “fetiche do capital externo”, onde se tomava como certa a idéia de que os países em desenvolvimento se beneficiariam da entrada de capital intensificada pela liberdade de fluxo financeiro global. É preciso relativizar essa compreensão tendo em mente a diferença entre o crescimento do setor financeiro e o cresscimento da economia real.
6. Com a crise de 2008, os americanos e britânicos aprenderam o que os asiáticos aprenderam na década de 1990: mercado de capital aberto e desregulamentação do setor financeiro é a receita de um desastre eminente. Os países desenvolvidos, após a crise asiática, até reduziram seu ímpeto da liberalização imediata do mercado de capitais e passaram a falar numa liberalização sequenciada, onde, primeiro, deveriam ser criados os controles da movimentação de capital para só depois este ser liberado. Porém, além de desconsiderarem o fato de que os países poderiam não ter habilidade para aplicar tais controles e de que nem os países desenvolvidos sabiam como deveria ser um sistema de controle de capitais ideal, eles não aplicaram essa compreensão em seus próprios países, haja vista o mundo subterrâneo da desregulamentação financeira que se formava nos Estados Unidos. A primeira consequência da crise de 2008 foi o fim do fetiche do capital externo, haja vista o impacto que a crise teve nos países que se especializaram em atrair capital volátil, como Islândia e Irlanda, cujas altas taxas de crescimento se provaram miragens feitas de capital volátil.
7. A segunda consequência da crise de 2008 foi o respeito que passaram a ter os países em desenvolvimento com relação às políticas sociais. Com o neoliberalismo de Reagan e Tatcher, tais políticas foram cortadas em nome da maior eficiência econômica. Com relação à presente crise, a forma como a Europa reagiu acabou sendo muito melhor do que a dos Estados Unidos, graças ao impacto anti-cíclico que tem os seus programas sociais, no sentido de garantir um mínimo para os desempregados e permitindo que eles se recuperem, o que não ocorre nos Estados Unidos, tornando o modelo americano ainda mais criticado no mundo. China, Brasil e México são citados como exemplos de países que se voltaram mais para as políticas sociais recentemente, com bons resultados. A grande pergunta é se esses países emergentes terão condições de suportar tais programas sociais em um contexto de envelhecimento das suas populações, o que não foi possível, por exemplo, na Europa.
8. A terceira consequência da crise foi o nascimento de um novo debate em torno da política industrial. Tendo sido riscadas do mapa como falhas nas décadas de 1980 e 1990, as políticas indústrias voltaram à cena como uma resposta eficiente à crise, mostrando que os tecnocratas do governo podem comandar um envolvimento eficiente do Estado na economia. Novamente, China e Brasil são citados como exemplos nesse sentido, através do uso de bancos públicos para garantir crédito fácil e outras vantagens para as indústrias locais. Essa nova política industrial não trataria, no entanto, de escolher campeões ou provocar grandes mudanças produtivas. Trata-se muito mais de promover a coordenação para a resolução de gargalos e riscos que inibem a ação da iniciativa privada.
9. A partir dessa constatação, é possível falar que o modelo americano de capitalismo de livre comércio será abandonado e que o Estado poderá a ter um papel de protagonista no processo de desenvolvimento? Depende da capacidade do Estado e da sua governança. O problema é que a principal falha das políticas industriais de antigamente era política e não econômica. Assim, as políticas de substituição de importações que ocorreram tanto na Europa Oriental quanto na América Latina nas décadas de 1950 e 1960 trouxeram bons resultados, mas, na América Latina, graças às pressões políticas, o protecionismo que deveria proteger as empresas nascentes acabaram garantindo vantagens a empresas maduras que, como estavam protegidas da competição internacional, tornaram-se incompetentes globalmente. O peso maior para saber se um país é capaz de fazer uma política industrial sem cometer os erros do passado recai sobre sua tecnocracia burocrática. Se esta for forte o suficiente para tomar decisões difíceis e se proteger das pressões políticas, como no caso dos países asiáticos, que tem uma tradição de burocracias tecnocráticas fortes, tudo bem. Caso contrário, o uso das políticas industriais deve ser mais cuidadoso.
10. O que a crise mostrou foi que, mesmo nos países desenvolvidos, suas burocracias, refletidas nos seus sistemas de controles de fluxos financeiros, não foram capazes de deter o ímpeto dos mercados. Por outro lado, o exercício autocrático do poder na China, que aplica suas políticas industriais de cima para baixo, sem passar pelo tumulto da discussão democrática, também não é válido, pois existem autocracias que nem tem o nível de crescimento da China. É preciso observar, então, porque os países em desenvolvimento não conseguem melhorar seus setores públicos para que o Estado assuma esse papel protagônico. Primeiro, porque sua burocracia serve a uma classe política que é interesseira e movida por interesses próprios. Segundo, porque instituições efetivas refletem mais do que decisões legais e políticas, mas sim um contexto social e cultural que dê suporte a essa efetividade na busca do interesse público. Finalmente, a efetividade dessas instituições precisa de um claro senso de identidade nacional e de interesse público. Sem isso, os indivíduos terão muito mais lealdade com o seu grupo étnico ou com sua rede patrimonialista do que com o interesse público.
11. A tendência que a crise de 2008 exacerbou no sentido do fim de uma liderança financeira americana e de um mundo mais multipolar na verdade começou logo após a Segunda Guerra Mundial, com a criação das instituições de Bretton Woods (Banco Mundial, FMI) e as posteriores e sucessivas críticas e pressões sobre essas instituições e a necessidade de renová-las, bem como instituições informais como o G7, que tem que incorporar outras lideranças econômicas globais, como China e Brasil. Uma mostra disso foi a importância que teve a reunião do G20, incluindo essas novas potenciais econômicas. Além disso, instituições tradicionais como o FMI, que estavam perdendo espaço e ficando obsoletas, com o mercado privado de capitais oferecendo empréstimos aos países em condições melhores do que as do FMI, o que o tornava sem muita função, foram prestigiadas com apoio financeiro do G20 para financiar a ajuda aos países mais atingidos pela crise de 2008.
12. Assim, mais do que efeitos econômicos e políticos, a crise de 2008 teve efeitos ideológicos, no momento em que reposiciona o centro de difusão do modelo e das práticas políticas. O modelo americano, até então dominante, tem sido cada vez mais substituído pelas práticas dos países emergentes, como os programas de transferência de renda e de política industrial. Países como Estados Unidos e Japão continuaram a ter peso, porém países como Brasil, Índia e África do Sul passaram cada vez mais a serem relevantes nesse jogo.
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